Tema
do 25º Domingo do Tempo Comum
A
liturgia do 25º Domingo do Tempo Comum convida-nos a descobrir um Deus cujos
caminhos e cujos pensamentos estão acima dos caminhos e dos pensamentos dos
homens, quanto o céu está acima da terra. Sugere-nos, em consequência, a
renúncia aos esquemas do mundo e a conversão aos esquemas de Deus.
A
primeira leitura pede aos crentes que voltem para Deus. “Voltar para Deus” é um
movimento que exige uma transformação radical do homem, de forma a que os seus
pensamentos e acções reflictam a lógica, as perspectivas e os valores de Deus.
O
Evangelho diz-nos que Deus chama à salvação todos os homens, sem considerar a
antiguidade na fé, os créditos, as qualidades ou os comportamentos
anteriormente assumidos. A Deus interessa apenas a forma como se acolhe o seu
convite. Pede-nos uma transformação da nossa mentalidade, de forma a que a
nossa relação com Deus não seja marcada pelo interesse, mas pelo amor e pela
gratuidade.
A
segunda leitura apresenta-nos o exemplo de um cristão (Paulo) que abraçou, de
forma exemplar, a lógica de Deus. Renunciou aos interesses pessoais e aos
esquemas de egoísmo e de comodismo, e colocou no centro da sua existência
Cristo, os seus valores, o seu projecto.
LEITURA I – Is 55, 6-9
Leitura
do Livro de Isaías
Procurai
o Senhor, enquanto se pode encontrar,
invocai-O,
enquanto está perto.
Deixe
o ímpio o seu caminho
e
o homem perverso os seus pensamentos.
Converta-se
ao Senhor, que terá compaixão dele,
ao
nosso Deus, que é generoso em perdoar.
Porque
os meus pensamentos não são os vossos,
nem
os vossos caminhos são os meus – oráculo do Senhor –.
Tanto
quanto o céu está acima da terra,
assim
os meus caminhos estão acima dos vossos
e
acima dos vossos estão os meus pensamentos.
AMBIENTE
O
Deutero-Isaías, autor deste texto, é um profeta anónimo da escola de Isaías,
que cumpriu a sua missão profética entre os exilados da Babilónia, procurando
consolar e manter acesa a esperança no meio de um povo amargurado, desiludido e
decepcionado. Os capítulos que recolhem a sua mensagem (Is 40-55) chamam-se,
por isso, “Livro da Consolação”.
Estes
quatro versículos que a primeira leitura de hoje nos propõe aparecem no final
do “Livro da Consolação”. Aproxima-se a libertação e, para muitos exilados,
está perto o momento do regresso à Terra Prometida. Depois de exortar os
exilados a cumprir um novo êxodo e de lhes garantir que, em Judá, vão sentar-se
à mesa do banquete que Jahwéh quer oferecer ao seu Povo (cf. Is 55, 1-3), o
profeta lança-lhes agora um outro repto…
O
tempo do Exílio foi um tempo de angústia e de sofrimento, mas também um tempo
de amadurecimento e de graça. Aí, Israel tomou consciência das suas falhas e
infidelidades, e descobriu que o viver longe de Deus não conduz à vida e à
felicidade; por outro lado, o tempo de Exílio ajudou Israel a purificar a sua
noção de Deus, da Aliança, do culto e até do significado de ser Povo de Deus.
O
Deutero-Isaías – neste momento em que se abrem novos horizontes – convida os
seus concidadãos a percorrerem esse caminho de conversão e de redescoberta de
Deus que a experiência do Exílio lhes revelou. O Povo está prestes a pôr-se a
caminho em direcção à Terra Prometida; esse “caminho” não é uma simples
deslocação geográfica mas é, sobretudo, um “caminho” espiritual de reencontro
com o Senhor. Deixar a terra da escravidão e voltar à terra da liberdade deve significar,
para Israel, uma redescoberta dos esquemas de Deus e um esforço sério para
viver na fidelidade dinâmica aos mandamentos de Jahwéh.
MENSAGEM
O
apelo do profeta é, portanto, a um recomeço. Nesses novos caminhos que as
vicissitudes da história vão abrir aos exilados, é preciso que este Israel
renovado pela experiência do Exílio continue a procurar o Senhor, a invocá-l’O,
a cultivar laços de comunhão e de proximidade com Ele.
Fundamentalmente,
Israel é convidado a converter-se ou, literalmente, a “voltar (em hebraico:
‘shûb’) para Deus”. Essa “conversão” exige uma transformação radical do homem,
quer em termos de mentalidade, quer em termos de comportamento (“deixe o ímpio
o seu caminho e o homem perverso os seus pensamentos” – vers. 7).
A
mentalidade, os valores, as atitudes dos “ímpio” e do “homem perverso”, estão
muito longe da mentalidade, dos valores e dos esquemas de Deus. A vida do
“ímpio” e do “homem perverso” funciona numa lógica de egoísmo, de orgulho, de
auto-suficiência, de violência, de exploração; os esquemas do “ímpio” geram
sofrimento, infelicidade, morte… Deus funciona numa lógica de amor, de serviço,
de partilha, de doação; os esquemas de Deus geram alegria, paz verdadeira, vida
definitiva.
Ao
Povo de Deus, pede-se que prescinda da lógica do “ímpio” e do “homem perverso”,
para abraçar a lógica de Deus; pede-se-lhe que não viva de olhos postos no
chão, mas que olhe para o céu e contemple os horizontes de Deus; pede-se-lhe
que seja capaz de confiar em Deus e de compreender o acerto dos seus caminhos.
Só dessa forma o Povo poderá ser feliz nessa Terra a que vai regressar; só
dessa forma Israel poderá continuar a ser fiel à sua missão de testemunhar
Jahwéh no meio dos outros povos.
A
conversão implica também (este aspecto está mais sugerido do que afirmado) uma
mudança na forma de ver Deus. O homem tem sempre tendência a construir um deus
à sua imagem, um deus previsível e domesticado que funcione de acordo com a
lógica e a mentalidade do homem. No entanto, Deus não pode ser reduzido aos nossos
esquemas humanos: os seus pensamentos não são os pensamentos do homem, as suas
reacções não são as reacções do homem, os seus caminhos não são os caminhos do
homem. “Converter-se” é, a este nível, aprender que Deus não é redutível às
nossas lógicas e esquemas humanos; e é aprender que Deus tem os seus próprios
caminhos, diferentes dos nossos… “Converter-se” é, a este nível, prescindir das
nossas certezas, preconceitos e auto-suficiências, confiar em Deus e na bondade
dos caminhos através dos quais ele conduz a história da salvação.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar
as seguintes questões:
•
Antes de mais, o nosso texto apela à conversão. O “voltar para Deus” (como diz
o Deutero-Isaías) significa, neste contexto, re-equacionar a vida, de modo a
que Deus passe a estar no centro da existência do homem.
É
inflectir o sentido da existência, de forma a que Deus (e não o dinheiro, o
poder, o sucesso, os amigos, a família) ocupe sempre, na vida do homem, o
primeiro lugar. A cultura pós-moderna prescindiu de Deus… Considerou que o
homem é o único senhor do seu destino e que cada pessoa tem o direito de
construir a sua felicidade à margem de Deus e dos seus valores; considerou que
os valores de Deus não permitem ao homem potencializar as suas capacidades e
ser verdadeiramente livre e feliz… Na verdade, o que é que nos faz passar da
terra da escravidão para a terra da liberdade: o amor, a partilha, o serviço, o
dom da vida, ou o egoísmo, o orgulho, a arrogância, a auto-suficiência?
•
No entanto, o homem só poderá converter-se a Deus e abraçar os seus esquemas e
valores, se se mantiver em comunhão com Ele. É na escuta e na reflexão da
Palavra de Deus, na oração frequente, na atitude de disponibilidade para
acolher a vida de Deus, na entrega confiada nas mãos de Deus, que o crente
descobrirá os valores de Deus e os assumirá. Aos poucos, a acção de Deus irá
transformando a mentalidade desse crente, de forma a que ele viva e testemunhe
Deus e as suas propostas para os homens.
•
A conversão é um processo nunca acabado. Todos os dias o crente terá de optar
entre os valores de Deus e os valores do mundo, entre conduzir a sua vida de
acordo com a lógica de Deus ou de acordo com a lógica dos homens. Por isso, o
verdadeiro crente nunca cruza os braços, instalado em certezas definitivas ou
em conquistas absolutas, mas esforça-se por viver cada instante em fidelidade
dinâmica a Deus e às suas propostas.
•
Finalmente, o nosso texto sugere uma reflexão sobre a imagem que temos de Deus.
Não podemos construir e testemunhar diante dos outros homens um Deus à nossa
imagem, que funcione de acordo com os nossos esquemas mentais e que assuma
comportamentos parecidos com os nossos. Temos de descobrir, no diálogo pessoal
com Ele, esse Deus que nos transcende infinitamente. Sem preconceitos, sem
certezas absolutas, temos de mergulhar no infinito de Deus, e deixarmo-nos
surpreender pela sua lógica, pela sua bondade, pelo seu amor.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144 (145)
Refrão: O Senhor está perto de quantos O invocam.
Quero
bendizer-Vos, dia após dia,
e
louvar o vosso nome para sempre.
Grande
é o Senhor e digno de todo o louvor,
insondável
é a sua grandeza.
O
Senhor é clemente e compassivo,
paciente
e cheio de bondade.
O
Senhor é bom para com todos
e
a sua misericórdia se estende a todas as criaturas.
O
Senhor e justo em todos os seus caminhos
e
perfeito em todas as suas obras.
O
Senhor está perto de quantos O invocam,
de
quantos O invocam em verdade.
LEITURA II – Flp 1, 20c-24.27a
Leitura
da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
Irmãos:
Cristo
será glorificado no meu corpo,
quer
eu viva quer eu morra.
Porque,
para mim, viver é Cristo e morrer é lucro.
Mas,
se viver neste corpo mortal é útil para o meu trabalho,
não
sei o que escolher.
Sinto-me
constrangido por este dilema:
desejaria
partir e estar com Cristo, que seria muito melhor;
mas
é mais necessário para vós
que
eu permaneça neste corpo mortal.
Procurai
somente viver de maneira digna do Evangelho de Cristo.
AMBIENTE
Filipos,
cidade situada ao norte da Grécia, foi a primeira cidade europeia evangelizada
por Paulo. Era uma cidade próspera, com uma população constituída
maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de
Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e
dependia directamente do imperador. Gozava, por isso, dos mesmos privilégios
das cidades de Itália.
A
comunidade cristã, fundada por Paulo, Silas e Timóteo no Verão do ano 49, era
uma comunidade entusiasta, generosa e comprometida, sempre atenta às
necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da colecta em favor da
Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8, 1-5). Paulo nutria pelos “filhos” de Filipos
um afecto especial.
No
momento em que escreve aos Filipenses, Paulo está na prisão (em Éfeso?). Dos
Filipenses recebeu dinheiro e o envio de Epafrodito (um membro da comunidade),
encarregado de ajudar Paulo em tudo o que fosse necessário. Enviando Epafrodito
de volta a Filipos, Paulo confia-lhe uma carta para a comunidade. É uma carta
afectuosa, onde Paulo agradece aos Filipenses a sua preocupação, a sua
solicitude e o seu amor. Nela, Paulo agradece, dá notícias, informa a
comunidade sobre a sua própria sorte e exorta os Filipenses à fidelidade ao
Evangelho.
O
texto que nos é hoje proposto faz parte de uma perícopa (cf. Flp 1, 12-26), na
qual Paulo fala aos Filipenses de si próprio, da sua situação, das suas
preocupações e esperanças. Paulo está consciente de que corre riscos de vida;
mas está sereno, alegre e confiante porque a única coisa que lhe interessa é
Cristo e o seu Evangelho.
MENSAGEM
Quando
escreve a carta aos Filipenses, Paulo continua preso. Não sabe se sairá da
prisão vivo ou morto mas, para ele, isso não é importante; o que é importante é
que Cristo seja engrandecido – seja através da vida, seja através da morte do
apóstolo.
Para
Paulo, Cristo é que é a autêntica vida. Ele é a razão de ser e de viver do
apóstolo. Na perspectiva de Paulo, a morte seria bem vinda, não como libertação
das dificuldades e das dores que se experimentam na vida terrena, mas como caminho
directo para o encontro definitivo, imediato, sem intermediários, com Cristo.
Paulo não se importaria nada de morrer a curto prazo, porque isso significaria
a comunhão total com Cristo. Especialmente significativa, a este propósito, é a
conhecida frase (que, aliás, está escrita no seu túmulo, em Roma): “para mim,
viver é Cristo e morrer é lucro”.
No
entanto, Paulo está consciente de que Deus pode ter outros planos e querer que
ele continue – para benefício das comunidades cristãs – algum tempo mais na
terra, a dar testemunho do Evangelho de Cristo. Paulo aceita isso: por Cristo,
está disposto a tudo. Na verdade, não são os interesses de Paulo que contam,
mas os interesses de Cristo.
ACTUALIZAÇÃO
A
reflexão pode ter em conta as seguintes questões:
•
Um dos elementos que mais impressionam e questionam neste testemunho é a
centralidade de Cristo na vida de Paulo. Diante de Cristo, todos os interesses
pessoais e materiais do apóstolo passam a um plano absolutamente secundário. O
apóstolo vive de Cristo e para Cristo; nada mais lhe interessa. Paulo aparece,
neste aspecto, como o perfeito modelo do cristão: para os baptizados, Cristo
deveria ser o centro de todas as referências e interesses, a “pedra angular” à
volta da qual se constrói a existência cristã. Que significa Cristo para mim?
Ele é a referência fundamental à volta da qual tudo se articula, ou é apenas
mais um entre muitos interesses a partir dos quais eu vou construindo a minha
vida? Quando tenho de optar, para que lado cai a minha escolha: para o lado de
Cristo, ou para o lado dos meus interesses pessoais?
•
A mesma questão – a questão da centralidade de Cristo – pode colocar-se a
propósito do testemunho que a Igreja oferece aos homens e ao mundo… É mais
importante falar de Cristo e do seu Evangelho do que dos artigos do Código de
Direito Canónico; é mais importante testemunhar Cristo e os seus valores do que
discutir a estrutura hierárquica da Igreja; é mais importante anunciar Cristo e
a sua proposta de Reino do que debater questões de organização e de disciplina…
Cristo está, verdadeiramente, no centro desse anúncio que somos convidados a
fazer aos homens do nosso tempo?
•
Neste texto, impressiona também a liberdade total de Paulo face à morte. Essa
liberdade resulta do facto de a fé que anima o apóstolo lhe permitir encarar a
morte, não como o mais terrível e assustador de todos os males, mas como a
possibilidade do encontro definitivo e pleno com Cristo. Dessa forma, Paulo
pode entregar-se tranquilamente ao exercício do seu ministério, sem deixar que
o medo trave o seu empenho e o seu testemunho. Também aqui a atitude de Paulo
interpela e questiona os crentes… Para um cristão, a morte é o momento da
realização plena, do encontro com a vida definitiva. Não é um drama sem
sentido, sem remédio e sem esperança. Para um cristão, não faz sentido que o
medo da perseguição ou da morte impeça o compromisso com os valores de Deus e
com o compromisso profético diante do mundo.
ALELUIA – cf. Act 16, 14b
Aleluia. Aleluia.
Abri,
Senhor, os nossos corações,
para
aceitarmos a palavra do vosso Filho.
EVANGELHO – Mt 20, 1-16a
Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele
tempo,
disse
Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola:
«O
reino dos Céus pode comparar-se a um proprietário,
que
saiu muito cedo a contratar trabalhadores para a sua vinha.
Ajustou
com eles um denário por dia
e
mandou-os para a sua vinha.
Saiu
a meio da manhã,
viu
outros que estavam na praça ociosos e disse-lhes:
‘Ide
vós também para a minha vinha
e
dar-vos-ei o que for justo’.
E
eles foram.
Voltou
a sair, por volta do meio-dia e pelas três horas da tarde,
e
fez o mesmo.
Saindo
ao cair da tarde,
encontrou
ainda outros que estavam parados e disse-lhes:
‘Porque
ficais aqui todo o dia sem trabalhar?’
Eles
responderam-lhe: ‘Ninguém nos contratou’.
Ele
disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha’.
Ao
anoitecer, o dono da vinha disse ao capataz:
«Chama
os trabalhadores e paga-lhes o salário,
a
começar pelos últimos e a acabar nos primeiros’.
Vieram
os do entardecer e receberam um denário cada um.
Quando
vieram os primeiros, julgaram que iam receber mais,
mas
receberam também um denário cada um.
Depois
de o terem recebido,
começaram
a murmurar contra o proprietário, dizendo:
‘Estes
últimos trabalharam só uma hora
e
deste-lhes a mesma paga que a nós,
que
suportámos o peso do dia e o calor’.
Mas
o proprietário respondeu a um deles:
‘Amigo,
em nada te prejudico.
Não
foi um denário que ajustaste comigo?
Leva
o que é teu e segue o teu caminho.
Eu
quero dar a este último tanto como a ti.
Não
me será permitido fazer o que eu quero do que é meu?
Ou
serão maus os teus olhos porque eu sou bom?’
Assim,
os últimos serão os primeiros
e
os primeiros serão os últimos».
AMBIENTE
No
texto que nos é proposto, Jesus continua a instruir os discípulos, a fim de que
eles compreendam a realidade do Reino e, após a partida de Jesus, a
testemunhem. Trata-se de mais uma “parábola do Reino”.
O
quadro que a parábola nos apresenta reflecte bastante bem a realidade social e
económica dos tempos de Jesus. A Galileia estava cheia de camponeses que, por
causa da pressão fiscal ou de anos contínuos de más colheitas, tinham perdido
as terras que pertenciam à sua família. Para sobreviver, esses camponeses sem
terra alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e
esperavam que os grandes latifundiários os contratassem para trabalhar nos seus
campos ou nas suas vinhas. Normalmente, cada “patrão” tinha os seus “clientes”
– isto é, homens em quem ele confiava e a quem contratava regularmente.
Naturalmente, esses trabalhadores “de confiança” recebiam um tratamento de
favor. Esse tratamento de favor implicava, nomeadamente, que esses “clientes”
fossem sempre os primeiros a ser contratados, a fim de que pudessem ganhar uma
“jorna” completa (um “denário”, que era o pagamento diário habitual de um
trabalhador não especializado).
MENSAGEM
A
parábola refere-se, portanto, a um dono de uma vinha que, ao romper da manhã,
se dirigiu à praça e chamou os seus “clientes” para trabalhar na sua vinha,
ajustando com eles o preço habitual: um denário. O volume de tarefas a realizar
na vinha fez com que este patrão voltasse a sair a meio da manhã, ao meio-dia,
às três da tarde e ao cair da tarde e que trouxesse, de cada vez, novas levas
de trabalhadores. O trabalho decorreu sem incidentes, até ao final do dia.
Ao
anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem
a paga do trabalho. Todos – quer os que só tinham trabalhado uma hora, quer os
que tinham trabalhado todo o dia – receberam a mesma paga: um denário. Contudo,
os trabalhadores da primeira hora (os “clientes” habituais do dono da vinha)
manifestaram a sua surpresa e o seu desconcerto por, desta vez, não terem
recebido um tratamento “de favor”.
A
resposta final do dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele
decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem excepção.
Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o
início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam
no fim? Isso em nada deveria afectar os outros…
Muito
provavelmente, a parábola serviu primariamente a Jesus para responder às
críticas dos adversários, que O acusavam de estar demasiado próximo dos
pecadores (os trabalhadores da última hora). Através dela, Jesus mostra que o
amor do Pai se derrama sobre todos os seus filhos, sem excepção e por igual.
Para Deus, não é decisiva a hora a que se respondeu ao seu apelo; o que é
decisivo é que se tenha respondido ao seu convite para trabalhar na vinha do
Reino. Para Deus, não há tratamento “especial” por antiguidade; para Deus,
todos os seus
filhos
são iguais e merecem o seu amor.
A
parábola serviu a Jesus, também, para denunciar a concepção que os teólogos de
Israel tinham de Deus e da salvação. Para os fariseus, sobretudo, Deus era um
“patrão” que pagava conforme as acções do homem. Se o homem cumprisse
escrupulosamente a Lei, conquistaria determinados méritos e Deus pagar-lhe-ia
convenientemente. Segundo esta perspectiva, Deus não dá nada; é o homem que
conquista tudo. O “deus” dos fariseus é uma espécie de comerciante, que todos
os dias aponta no seu livro de registos as dívidas e os créditos do homem, que
um dia faz as contas finais, vê o saldo e dá a recompensa ou aplica o castigo.
Para
Jesus, no entanto, Deus não é um contabilista, sempre de lápis na mão a fazer
as contas dos homens para lhes pagar conforme os seus merecimentos; mas é um
pai, cheio de bondade, que ama todos os seus filhos por igual e que derrama
sobre todos, sem excepção, o seu amor.
A
parábola foi, depois, proposta por Mateus à sua comunidade (provavelmente a
comunidade cristã de Antioquia da Síria) para iluminar a situação concreta que
a comunidade estava a viver com a entrada maciça de pagãos na Igreja. Alguns
cristãos de origem judaica não conseguiam entender que os pagãos, vindos mais
tarde, estivessem em pé de igualdade com aqueles que tinham acolhido a proposta
do Reino desde a primeira hora. Mateus deixa, no entanto, claro que o Reino é
um dom oferecido por Deus a todos os seus filhos, sem qualquer excepção. Judeus
ou gregos, escravos ou livres, cristãos da primeira hora ou da última hora,
todos são filhos amados do mesmo Pai. Na comunidade de Jesus não há graus de
antiguidade, de raça, de classe social, de merecimento… O dom de Deus
destina-se a todos, por igual.
Conclusão:
A parábola convida-nos a perceber que o nosso Deus é o Deus que oferece
gratuitamente a salvação a todos os seus filhos, independentemente da sua
antiguidade, créditos, qualidades, ou comportamentos. Os membros da comunidade
do Reino não devem, por isso, fazer o bem em vista de uma determinada
recompensa, mas para encontrarem a felicidade, a vida verdadeira e eterna.
ACTUALIZAÇÃO
Na
reflexão, considerar as seguintes linhas:
•
Antes de mais, o nosso texto deixa claro que o Reino de Deus (esse mundo novo
de salvação e de vida plena) é para todos sem excepção. Para Deus não há
marginalizados, excluídos, indignos, desclassificados… Para Deus, há homens e
mulheres – todos seus filhos, independentemente da cor da pele, da
nacionalidade, da classe social – a quem Ele ama, a quem Ele quer oferecer a
salvação e a quem Ele convida para trabalhar na sua vinha. A única coisa
verdadeiramente decisiva é se os interpelados aceitam ou não trabalhar na vinha
de Deus. Fazer parte da Igreja de Jesus é fazer uma experiência radical de
comunhão universal.
•
Todos têm lugar na Igreja de Jesus… Mas todos terão a mesma dignidade e
importância? Jesus garante que sim. Não há trabalhadores mais importantes do que
os outros, não há trabalhadores de primeira e de segunda classe. O que há é
homens e mulheres que aceitaram o convite do Senhor – tarde ou cedo, não
interessa – e foram trabalhar para a sua vinha. Dentro desta lógica, que
sentido é que fazem certas atitudes de quem se sente dono da comunidade porque
“estou aqui há mais tempo do que os outros”, ou porque “tenho contribuído para
a comunidade mais do que os outros”? Na comunidade de Jesus, a idade, o tempo
de serviço, a cor da pele, a posição social, a posição hierárquica, não servem
para fundamentar qualquer tipo de privilégios ou qualquer superioridade sobre
os outros irmãos. Embora com funções diversas, todos são iguais em dignidade e
todos devem ser acolhidos, amados e considerados de igual forma.
•
O nosso texto denuncia ainda essa concepção de Deus como um “negociante”, que
contabiliza os créditos dos homens e lhes paga em consequência. Deus não faz
negócio com os homens: Ele não precisa da mercadoria que temos para Lhe
oferecer. O Deus que Jesus anuncia é o Pai que quer ver os seus filhos livres e
felizes e que, por isso, derrama o seu amor, de forma gratuita e incondicional,
sobre todos eles. Sendo assim que sentido fazem certas expressões da vivência
religiosa que são autênticas negociatas com Deus (“se tu me fizeres isto,
prometo-te aquilo”; “se tu me deres isto, pago-te com aquilo”)?
•
Entender que Deus não é um negociante, mas um Pai cheio de amor pelos seus
filhos, significa também renunciar a uma lógica interesseira no nosso
relacionamento com ele. O cristão não faz as coisas por interesse, ou de olhos
postos numa recompensa (o céu, a “sorte” na vida, a eliminação da doença, o
adivinhar a chave da lotaria), mas porque está convicto de que esse
comportamento que Deus lhe propõe é o caminho para a verdadeira vida. Quem
segue o caminho certo, é feliz, encontra a paz e a serenidade e colhe, logo aí,
a sua recompensa.
•
Com alguma frequência encontramos cristãos que não entendem porque é que Deus
ama e aceita na sua família, em pé de igualdade com os filhos da primeira hora,
esses que só tardiamente responderam ao apelo do Reino. Sentem-se injustiçados,
incompreendidos, ciumentos, invejosos e condenam, mais ou menos veladamente,
essa lógica de misericórdia que, à luz dos critérios humanos, lhes parece muito
injusta. Na sua perspectiva, a fidelidade a Deus e aos seus mandamentos merece
uma recompensa e esta deve ser tanto maior quanto maior a antiguidade e a
qualidade dos “serviços” prestados a Deus. Que sentido faz esta lógica à luz
dos ensinamentos de Jesus?
ALGUMAS SUGESTÕES
PRÁTICAS PARA O 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas
de “Signes d’aujourd’hui”)
1.
A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao
longo dos dias da semana anterior ao 24º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2.
A VINHA.
Neste
domingo (e nos dois próximos) temos a imagem da vinha. Embora a comparação só
apareça plenamente no 27º domingo (em que a vinha significa o povo de Israel),
pode ser interessante, a partir deste domingo: pôr em evidência uma cepa, quer
na entrada da igreja, quer dentro da igreja (é o mês da vindima em muitas
regiões); solenizar a procissão das oferendas pedindo a um jovem para levar ao
altar um belo cacho de uvas…
3.
ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na
meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento
das leituras com a oração.
No
final da primeira leitura:
Nós
Te louvamos, Deus nosso Pai, porque Te deixas encontrar por aqueles que Te
procuram e tens piedade daqueles que vêm até Ti. Tu estás próximo de nós, és
rico em perdão e misericórdia e os teus pensamentos são tão elevados acima dos
nossos.
Nós
Te pedimos: que o teu Espírito nos guie, que Ele nos livre dos caminhos do mal,
que Ele eleve e inspire os nossos pensamentos.
No
final da segunda leitura:
Senhor
Jesus Cristo, nós Te bendizemos e com o apóstolo Paulo confessamos: a nossa
vida, a nossa alegria e a nossa felicidade, és Tu.
Nós
Te pedimos por nós mesmos e por todas as nossas comunidades cristãs: penetra-nos
com o teu Espírito, para que levemos uma vida digna do teu Evangelho e que a
tua grandeza seja manifestada nas nossas vidas.
No
final do Evangelho:
Deus
da Aliança antiga e nova, não cessas de chamar os homens a mudar de
mentalidade. Hoje, Jesus recorda-nos isso uma vez mais na parábola da última
hora.
Abre
os nossos olhos, as nossas mãos e os nossos corações, Senhor de infinita
ternura. No respeito leal pela justiça dos homens, ensina-nos, pelo teu
Espírito, a dar provas de generosidade.
4.
ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se
escolher a Oração Eucarística II, que nos recorda que fomos “escolhidos para
servir” (2ª leitura).
5.
PALAVRA PARA O CAMINHO.
“Ide
também vós para a minha Vinha!” Pobreza na nossa Igreja. Falta de vocações…
Assembleias dominicais “raquíticas”… Cada vez menos crianças na catequese…
Críticas… Lamentações… Decepções… “Ide também vós para a minha Vinha!”
Compreendemos bem que Jesus não faz selecção e que Se dirige a todos sem
excepção. Cabe-nos a nós aceitar ser “contratados”. Há trabalho para todos?
Vamos para a sua Vinha?
Pe. Manuel Barbosa
http://www.dehonianos.org/portal/liturgia/?cid=my-calendar&mc_id=1643