Tema do 23º Domingo do Tempo Comum
A
liturgia deste domingo sugere-nos uma reflexão sobre a nossa responsabilidade
face aos irmãos que nos rodeiam. Afirma, claramente, que ninguém pode ficar
indiferente diante daquilo que ameaça a vida e a felicidade de um irmão e que
todos somos responsáveis uns pelos outros.
A
primeira leitura fala-nos do profeta como uma “sentinela”, que Deus colocou a
vigiar a cidade dos homens. Atento aos projectos de Deus e à realidade do
mundo, o profeta apercebe-se daquilo que está a subverter os planos de Deus e a
impedir a felicidade dos homens. Como sentinela responsável alerta, então, a
comunidade para os perigos que a ameaçam.
O
Evangelho deixa clara a nossa responsabilidade em ajudar cada irmão a tomar
consciência dos seus erros. Trata-se de um dever que resulta do mandamento do
amor. Jesus ensina, no entanto, que o caminho correcto para atingir esse
objectivo não passa pela humilhação ou pela condenação de quem falhou, mas pelo
diálogo fraterno, leal, amigo, que revela ao irmão que a nossa intervenção
resulta do amor.
Na
segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Roma (e de todos os lugares e
tempos) a colocar no centro da existência cristã o mandamento do amor. Trata-se
de uma “dívida” que temos para com todos os nossos irmãos, e que nunca estará
completamente saldada.
LEITURA I – Ez 33, 7-9
Leitura
da Profecia de Ezequiel
Eis
o que diz o Senhor:
«Filho
do homem,
coloquei-te
como sentinela na casa de Israel.
Quando
ouvires a palavra da minha boca,
deves
avisá-los da minha parte.
Sempre
que Eu disser ao ímpio: ‘Ímpio, hás-de morrer’,
e
tu não falares ao ímpio para o afastar do seu caminho,
o
ímpio morrerá por causa da sua iniquidade,
mas
Eu pedir-te-ei contas da sua morte.
Se
tu, porém, avisares o ímpio,
para
que se converta do seu caminho,
e
ele não se converter,
morrerá
nos seus pecados,
mas
tu salvarás a tua vida».
AMBIENTE
Ezequiel
é conhecido como “o profeta da esperança”. Desterrado na Babilónia desde 597
a.C. (no reinado de Joaquin, quando Nabucodonosor conquista Jerusalém pela
primeira vez e deporta para a Babilónia a classe dirigente do país), Ezequiel
exerce aí a sua missão profética entre os exilados judeus.
A
primeira fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (data do seu
chamamento) e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de
Nabucodonosor e uma segunda leva de exilados é encaminhada para a Babilónia).
Nesta fase, Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao
contrário do que pensam os exilados, o cativeiro está para durar… Eles não só
não vão regressar a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam
a multiplicar os pecados e as infidelidades) vão fazer companhia aos que já
estão desterrados na Babilónia.
A
segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C. e
prolonga-se até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados
de templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estão desesperados e duvidam
da bondade e do amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a
esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador e
libertador – esse Deus que Israel descobriu na sua história – não os abandonou
nem esqueceu.
Pelo
conteúdo, não é possível dizer de forma clara se o texto que hoje nos é
proposto como primeira leitura pertence à primeira ou à segunda fase da
actividade profética de Ezequiel. Em qualquer caso, ele define – recorrendo à
imagem da sentinela – a missão profética: o profeta é, entre os exilados, como
uma sentinela atenta, que escuta os apelos de Deus e que avisa o Povo dos
perigos que aparecem no horizonte da comunidade.
MENSAGEM
A
imagem da sentinela aplicada ao profeta não é nova. Já Habacuc (cf. Hab 2, 1),
Isaías (cf. 21, 6), Jeremias (cf. Jer 6, 17) e mesmo Oseias (cf. Os 5, 8)
recorrem a esta figura para definir a missão profética.
O
que é que significa dizer que o profeta é uma “sentinela”? A sentinela é o
vigilante atento que, enquanto os outros descansam, perscruta o horizonte e
procura detectar o perigo que ameaça a sua cidade, os seus concidadãos, os seus
camaradas de armas. Quando pressente o perigo, tem a obrigação de dar o alarme.
Dessa forma, a comunidade poderá preparar-se para enfrentar o desafio que o
inimigo lhe vai colocar. Se a sentinela não vigiar ou se não der o alarme, será
responsável pela catástrofe que atingiu o seu Povo.
Assim
é o profeta. Ele é esse guarda que Jahwéh colocou no meio da comunidade do Povo
de Deus, para perscrutar atentamente o horizonte da história e da vida do Povo
e para dar o alarme sempre que a comunidade corre riscos.
Para
que o profeta seja uma sentinela eficiente, ele tem de ser, simultaneamente, um
homem de Deus e um homem atento ao mundo que o rodeia.
O
profeta é, antes de mais, um homem que Jahwéh chamou ao seu serviço. Eleito por
Jahwéh, chamado para o serviço de Jahwéh, ele vive em comunhão com Deus; e
nessa intimidade que vai criando com Deus, ele descobre a vontade de Deus e
aprende a discernir os projectos que Deus tem para os homens e para o mundo. Ao
mesmo tempo, o profeta é um homem do seu tempo, mergulhado na realidade e nos
desafios da sociedade em que está integrado; conhece o mundo e é capaz de ler,
numa perspectiva crítica, os problemas, os dramas e as infidelidades dos seus
contemporâneos.
Ao
contemplar os planos de Deus e a vida do mundo, o profeta dá-se conta do
desfasamento entre uma realidade e outra. Apercebe-se de que a realidade da
vida dos homens é muito diferente dessa realidade que Deus projectou.
Diante
disto, o que é que o profeta faz? Sacode a água do capote e diz que não é nada
com ele? Fecha-se no seu mundo cómodo e ignora as infidelidades dos homens aos
projectos de Deus? Demite-se das suas responsabilidades e não se incomoda com
as escolhas erradas que os seus irmãos fazem?
Não.
O profeta recebeu um mandato de Deus para alertar a comunidade para os perigos
que a ameaçam. Custe o que custar, doa a quem doer, o profeta tem que dizer a
todos – mesmo que os seus concidadãos não o compreendam ou recusem escutá-lo –
que continuar a trilhar esses caminhos errados não pode senão conduzir à
infelicidade, ao sofrimento, à morte.
O
profeta/sentinela é, em última análise, um sinal vivo – mais um – do amor de
Jahwéh pelo seu Povo. É Deus que o chama, que o envia em missão, que lhe dá a
coragem de testemunhar, que o apoia nos momentos de crise, de desilusão e de
solidão… O profeta/sentinela é a prova de que Deus, cada dia, continua a
oferecer ao seu Povo caminhos de salvação e de vida. O profeta/sentinela
demonstra, sem margem para dúvidas, que Deus
não
quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva.
ACTUALIZAÇÃO
A
reflexão pode partir das seguintes questões:
•
E hoje? Deus continua a amar o seu Povo? Continua a querer que ele se converta
e viva? Continua a preocupar-Se em oferecer ao seu Povo a salvação – isto é, a
possibilidade de ser feliz neste mundo e de alcançar, no final da sua caminhada
nesta terra, a vida definitiva? O Deus de ontem não será o Deus de hoje e de
amanhã?
•
Na verdade, Ele continua a chamar, todos os dias, profetas/sentinelas que
alertem o mundo e os homens. Pelo Baptismo, todos nós fomos constituídos
profetas. Recebemos do nosso Deus a missão de dizer aos nossos irmãos que
certos valores que o mundo cultiva e endeusa são responsáveis por muitos dos
dramas que afligem os homens. Temos consciência de que recebemos de Deus uma
missão profética e que essa missão nos compromete com a denúncia do que está
errado no mundo e na vida dos homens?
•
O que é que devemos denunciar? Tudo aquilo que contradiz os projectos de Deus.
Portanto, o profeta/sentinela tem de ser alguém que vive em comunhão com Deus, que
medita a Palavra de Deus, que dialoga com Deus e que, nessa intimidade, vai
percebendo o que Deus quer para os homens e para o mundo. Aliás, é dessa
relação forte com Deus que o profeta/sentinela tira também a coragem para
falar, para denunciar, para agir. Portanto, dificilmente seremos fiéis à nossa
missão profética sem um relacionamento forte com Deus. Encontro tempo para
potenciar a relação com Deus, para falar com Deus, para escutar e meditar a sua
Palavra?
•
É preciso também que o profeta/sentinela desenvolva uma consciência crítica
sobre o mundo que o rodeia. Ele tem de estar atento aos acontecimentos da vida
nacional e internacional (o profeta tem de ouvir as notícias e ler o jornal!),
tem de conhecer a fundo as questões que os homens debatem (senão, a sua
intervenção dificilmente será levada a sério); e tem, especialmente, de
aprender a ler os acontecimentos à luz de Deus e do projecto de Deus. Estou
atento aos sinais dos tempos e procuro analisá-los a partir de uma perspectiva
de fé?
•
É preciso, finalmente, que o profeta/sentinela não se acomode no seu cantinho
cómodo, demitindo-se das suas responsabilidades. Tudo o que se passa no mundo,
tudo o que afecta a vida de um homem ou de uma mulher, diz respeito ao profeta.
Podemos ficar calados diante das escolhas erradas que o mundo faz? O nosso
silêncio não nos tornará cúmplices daqueles que destroem o mundo e que condenam
ao sofrimento e à miséria tantos homens e mulheres?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 94 (95)
Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
não fecheis os
vossos corações.
Vinde,
exultemos de alegria no Senhor,
aclamemos
a Deus, nosso Salvador.
Vamos
à sua presença e dêmos graças,
ao
som de cânticos aclamemos o Senhor.
Vinde,
prostremo-nos em terra,
adoremos
o Senhor que nos criou.
Pois
Ele é o nosso Deus
e
nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.
Quem
dera ouvísseis hoje a sua voz:
«Não
endureçais os vossos corações,
como
em Meriba, no dia de Massa no deserto,
onde
vossos pais Me tentaram e provocaram,
apesar
de terem visto as minhas obras».
LEITURA II – Rm 13, 8-10
Leitura
da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos:
Não
devais a ninguém coisa alguma,
a
não ser o amor de uns para com os outros,
pois,
quem ama o próximo, cumpre a lei.
De
facto, os mandamentos que dizem:
«Não
cometerás adultério, não matarás,
não
furtarás, não cobiçarás»,
e
todos os outros mandamentos,
resumem-se
nestas palavras:
«Amarás
ao próximo como a ti mesmo».
A
caridade não faz mal ao próximo.
A
caridade é o pleno cumprimento da lei.
AMBIENTE
Continuamos
a ler a segunda parte da Carta aos Romanos (cf. Rm 12, 1-15, 13). Aí, Paulo
mostra – em termos práticos – como devem viver aqueles que Deus chama à
salvação.
Deus
oferece a todos a salvação; ao homem resta acolher o dom de Deus, aderindo a
Jesus e à sua proposta… Mas a adesão a Jesus implica assumir, na prática do dia
a dia, atitudes coerentes com essa vida nova que o cristão acolheu no dia do
seu baptismo. São essas atitudes que Paulo recomenda aos romanos (e aos crentes
em geral) nesta segunda parte da carta.
No
ano 49, o imperador Cláudio tinha publicado um édito que expulsava de Roma os
judeus (incluindo os cristãos de origem judaica). Ora em 57/58 (quando a Carta
aos Romanos foi escrita), muitos desses judeus tinham já voltado a Roma. Será
que os cristãos de origem pagã, “donos” da comunidade durante bastante tempo,
ostentavam a sua superioridade e manifestavam desprezo pelos cristãos de origem
judaica entretanto regressados a Roma? Será que, por essa razão, havia divisões
e falta de amor na comunidade de Roma? Nessas circunstâncias, Paulo teria
escrito uma “carta de reconciliação”, destinada a unir uma comunidade dividida.
O apelo ao amor que o nosso texto nos apresenta poderia entender-se neste
contexto.
MENSAGEM
Paulo
exorta os crentes de Roma a construir toda a sua vida sobre o amor. O
cristianismo sem amor é uma mentira. Os cristãos não podem nunca deixar de amar
os seus irmãos.
Essa
exigência, contudo, nunca estará completamente realizada… Qualquer dívida pode
ser liquidada de uma vez; mas o amor não: em cada instante é preciso amar e
amar sempre mais. O cristão nunca poderá cruzar os braços e dizer que já ama o
suficiente ou que já amou tudo: ele tem uma dívida eterna de amor para com os
seus irmãos.
O
amor está no centro de toda a nossa experiência religiosa. No mandamento do
amor, resume-se toda a Lei e todos os preceitos. Os diversos mandamentos não
passam, aliás, de especificações da exigência do amor. A ideia – aqui expressa
– de que toda a Lei se resume no amor não é uma “invenção” de Paulo, mas é uma
constante na tradição bíblica (cf. Mt 22, 34-40).
ACTUALIZAÇÃO
Na
reflexão, ter em conta os seguintes desenvolvimentos:
•
Na última ceia, despedindo-se dos discípulos, Jesus resumiu desta forma a
proposta que veio apresentar aos homens: “amai-vos uns aos outros como Eu vos
amei” (Jo 15, 12). Este não é “mais um mandamento”, mas é “o mandamento” de
Jesus. Entretanto, algures durante a nossa caminhada pela história, esquecemos
“o mandamento” de Jesus e distraímo-nos com questões secundárias…
Preocupamo-nos em discutir ritos litúrgicos, problemas de organização e de
autoridade, códigos de leis, questões de disciplina… e esquecemos “o
mandamento” do amor. Já é tempo de voltarmos ao essencial. O cristão é aquele
que, como Cristo, ama sem cálculo, sem contrapartidas, sem limite, sem medida.
Na nossa experiência cristã, só o amor é essencial; tudo o resto é secundário.
•
As nossas comunidades cristãs, a exemplo da primitiva comunidade cristã de
Jerusalém, deviam ser comunidades fraternas onde se notam as marcas do amor. Os
que estão de fora deviam olhar para nós e dizer: “eles são diferentes, são uma
mais valia para o mundo, porque amam mais do que os outros”. É isso que
acontece? Quem contempla as nossas comunidades, descobre as marcas do amor, ou
as marcas da insensibilidade, do egoísmo, do confronto, do ciúme, da inveja? Os
estrangeiros, os doentes, os necessitados, os débeis, os marginalizados são
acolhidos nas nossas comunidades com solicitude e amor?
•
É importante sentirmos que a nossa dívida de amor nunca está paga. Podemos,
todos os dias, realizar gestos de partilha, de serviço, de acolhimento, de
reconciliação, de perdão… mas é preciso, neste campo, ir sempre mais além. Há
sempre mais um irmão que é preciso amar e acolher; há sempre mais um gesto de
solidariedade que é preciso fazer; há sempre mais um sorriso que podemos
partilhar; há sempre mais uma palavra de esperança que podemos oferecer a
alguém. Sobretudo, é preciso que sintamos que a nossa caminhada de amor nunca
está concluída.
ALELUIA – 2 Cor 5, 19
Aleluia. Aleluia.
Em
Cristo, Deus reconcilia o mundo consigo
e
confiou-nos a palavra da reconciliação.
EVANGELHO – Mt 18, 15-20
Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele
tempo,
disse
Jesus aos seus discípulos:
«Se
o teu irmão te ofender,
vai
ter com ele e repreende-o a sós.
Se
te escutar, terás ganho o teu irmão.
Se
não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas,
para
que toda a questão fique resolvida
pela
palavra de duas ou três testemunhas.
Mas
se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja;
e
se também não der ouvidos à Igreja,
considera-o
como um pagão ou um publicano.
Em
verdade vos digo:
Tudo
o que ligardes na terra será ligado no Céu;
e
tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu.
Digo-vos
ainda:
Se
dois de vós se unirem na terra para pedirem qualquer coisa,
ser-lhes-á
concedida por meu Pai que está nos Céus.
Na
verdade, onde estão dois ou três reunidos em meu nome,
Eu
estou no meio deles».
AMBIENTE
O
capítulo 18 do Evangelho de Mateus é conhecido como o “discurso eclesial”.
Apresenta uma catequese de Jesus sobre a experiência de caminhada em
comunidade. Aqui, Mateus ampliou de forma significativa algumas instruções
apresentadas por Marcos sobre a vida comunitária (cf. Mc 9, 33-37.42-47) e
compôs, com esses materiais, um dos cinco grandes discursos que o seu Evangelho
nos apresenta. Os destinatários desta “instrução” são os discípulos e, através
deles, a comunidade a que o Evangelho de Mateus se dirige.
A
comunidade de Mateus é uma comunidade “normal” – isto é, é uma comunidade
parecida com qualquer uma das que nós conhecemos. Nessa comunidade existem
tensões entre os diversos grupos e problemas de convivência: há irmãos que se
julgam superiores aos outros e que querem ocupar os primeiros lugares; há
irmãos que tomam atitudes prepotentes e que escandalizam os pobres e os débeis;
há irmãos que magoam e ofendem outros membros da comunidade; há irmãos que têm
dificuldade em perdoar as falhas e os erros dos outros… Para responder a este
quadro, Mateus elaborou uma exortação que convida à simplicidade e humildade,
ao acolhimento dos pequenos, dos pobres e dos excluídos, ao perdão e ao amor.
Ele desenha, assim, um “modelo” de comunidade para os cristãos de todos os
tempos: a comunidade de Jesus tem de ser uma família de irmãos, que vive em
harmonia, que dá atenção aos pequenos e aos débeis, que escuta os apelos e os
conselhos do Pai e que vive no amor.
MENSAGEM
O
fragmento do “discurso eclesial” que nos é hoje proposto refere-se, especialmente,
ao modo de proceder para com o irmão que errou e que provocou conflitos no seio
da comunidade. Como é que os irmãos da comunidade devem proceder, nessa
situação? Devem condenar, sem mais, e marginalizar o infractor?
Não.
Neste quadro, as decisões radicais e fundamentalistas raramente são cristãs. É
preciso tratar o problema com bom senso, com maturidade, com equilíbrio, com
tolerância e, acima de tudo, com amor. Mateus propõe um caminho em várias
etapas…
Em
primeiro lugar, Mateus propõe um encontro com esse irmão, em privado, e que se
fale com ele cara a cara sobre o problema (v. 15). O caminho correcto não
passa, decididamente, por dizer mal “por trás”, por publicitar a falta, por
criticar publicamente (ainda que não se invente nada), e muito menos por
espalhar boatos, por caluniar, por difamar. O caminho correcto passa pelo
confronto pessoal, leal, honesto, sereno, compreensivo e tolerante com o irmão
em causa.
Se
esse encontro não resultar, Mateus propõe uma segunda tentativa. Essa nova
tentativa implica o recurso a outros irmãos (“toma contigo uma ou duas pessoas”
– diz Mateus – v. 16) que, com serenidade, sensibilidade e bom senso, sejam
capazes de fazer o infractor perceber o sem sentido do seu comportamento.
Se
também essa tentativa falhar, resta o recurso à comunidade. A comunidade será
então chamada a confrontar o infractor, a recordar-lhe as exigências do caminho
cristão e a pedir-lhe uma decisão (v. 16a).
No
caso de o infractor se obstinar no seu comportamento errado, a comunidade terá
que reconhecer, com dor, a situação em que esse irmão se colocou a si próprio;
e terá de aceitar que esse comportamento o colocou à margem da comunidade.
Mateus acrescenta que, nesse caso, o faltoso será considerado como “um pagão ou
um cobrador de impostos” (v. 17b). Isto significa que os pagãos e os cobradores
de impostos não têm lugar na comunidade de Mateus? Não. Ao usar este exemplo, o
autor deste texto não pretende referir-se a indivíduos, mas a situações.
Trata-se de imagens tipicamente judaicas para falar de pessoas que estão
instaladas em situações de erro, que se obstinam no seu mau proceder e que
recusam todas as oportunidades de integrar a comunidade da salvação.
A
Igreja tem o direito de expulsar os pecadores? Mateus não sugere aqui, com
certeza, que a Igreja possa excluir da comunhão qualquer irmão que errou. Na
realidade, a Igreja é uma realidade divina e humana, onde coexistem a santidade
e o pecado. O que Mateus aqui sugere é que a Igreja tem de tom
ar
posição quando algum dos seus membros, de forma consciente e obstinada, recusa
a proposta do Reino e realiza actos que estão frontalmente contra as propostas
que Cristo veio trazer. Nesse caso, contudo, nem é a Igreja que exclui o
prevaricador: ele é que, pelas suas opções, se coloca decididamente à margem da
comunidade. A Igreja tem, no entanto, que constatar o facto e agir em
consequência.
Depois
desta instrução sobre a correcção fraterna, Mateus acrescenta três “ditos” de
Jesus (cf. Mt 18, 18-20) que, originalmente, seriam independentes da temática
precedente, mas que Mateus encaixou neste contexto.
O
primeiro (vers. 18) refere-se ao poder, conferido à comunidade, de “ligar” e
“desligar”. Entre os judeus, a expressão designava o poder para interpretar a
Lei com autoridade, para declarar o que era ou não permitido e para excluir ou
reintroduzir alguém na comunidade do Povo de Deus; aqui, significa que a
comunidade (algum tempo antes – cf. Mt 16, 19 – Jesus dissera estas mesmas
palavras a Pedro; mas aí Pedro representava a totalidade da comunidade dos discípulos)
tem o poder para interpretar as palavras de Jesus, para acolher aqueles que
aceitam as suas propostas e para excluir aqueles que não estão dispostos a
seguir o caminho que Jesus propôs.
O
segundo (v. 19) sugere que as decisões graves para a vida da comunidade devem
ser tomadas em clima de oração. Assegura aos discípulos, reunidos em oração,
que o Pai os escutará.
O
terceiro (v. 20) garante aos discípulos a presença de Jesus “no meio” da
comunidade. Neste contexto, sugere que as tentativas de correcção e de
reconciliação entre irmãos, no seio da comunidade, terão o apoio e a
assistência de Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
Na
reflexão e partilha, considerar as seguintes questões:
•
A palavra “tolerância” é uma palavra profundamente cristã, que sugere o
respeito pelo outro, pelas suas diferenças, até pelos seus erros e falhas. No
entanto, o que significa “tolerância”? Significa que cada um pode fazer o mal
ou o bem que quiser, sem que tal nos diga minimamente respeito? Implica
recusarmo-nos a intervir quando alguém toma atitudes que atentam contra a vida,
a liberdade, a dignidade, os direitos dos outros? Quer dizer que devemos ficar
indiferentes quando alguém assume comportamentos de risco, porque ele “é maior
e vacinado” e nós não temos nada com isso? Quais são as fronteiras da
“tolerância”? Diante de alguém que se obstina no erro, que destrói a sua vida e
a dos outros, devemos ficar de braços cruzados? Até que ponto vai a nossa responsabilidade
para com os irmãos que nos rodeiam? A “tolerância” não será, tantas vezes, uma
desculpa que serve para disfarçar a indiferença, a demissão das
responsabilidades, o comodismo?
•
O Evangelho deste domingo sugere a nossa responsabilidade em ajudar cada irmão
a tomar consciência dos seus erros. Convida-nos a respeitar o nosso irmão, mas
a não pactuar com as atitudes erradas que ele possa assumir. Amar alguém é não
ficar indiferente quando ele está a fazer mal a si próprio; por isso, amar
significa, muitas vezes, corrigir, admoestar, questionar, discordar,
interpelar… É preciso amar muito e respeitar muito o outro, para correr o risco
de não concordar com ele, de lhe fazer observações que o vão magoar; no
entanto, trata-se de uma exigência que resulta do mandamento do amor…
•
Que atitude tomar em relação a quem erra? Como proceder? Antes de mais, é
preciso evitar publicitar os erros e as falhas dos outros. O denunciar
publicamente o erro do irmão, pode significar destruir-lhe a credibilidade e o
bom-nome, a paz e a tranquilidade, as relações familiares e a confiança dos
amigos. Fazer com que alguém seja julgado na praça pública – seja ou não
culpado – é condená-lo antecipadamente, é não dar-lhe a possibilidade de se
defender e de se explicar, é restringir-lhe o direito de apelar à misericórdia
e à capacidade de perdão dos outros irmãos. Humilhar o irmão publicamente é,
sobretudo, uma grave falta contra o amor. É por isso que o Evangelho de hoje
convida a ir ao encontro do irmão que falhou e a repreendê-lo a sós…
•
Sobretudo, é preciso que a nossa intervenção junto do nosso irmão não seja
guiada pelo ódio, pela vingança, pelo ciúme, pela inveja, mas seja guiada pelo
amor. A lógica de Deus não é a condenação do pecador, mas a sua conversão; e
essa lógica devia estar sempre presente, quando nos confrontamos com os irmãos
que falharam. O que é que nos leva, por vezes, a agir e a confrontar os nossos
irmãos com os seus erros: o orgulho ferido, a vontade de humilhar aquele que
nos magoou, a má vontade, ou o amor e a vontade de ver o irmão reencontrar a
felicidade e a paz?
•
A Igreja tem o direito e o dever de pronunciar palavras de denúncia e de
condenação, diante de actos que afectam gravemente o bem comum… No entanto,
deve distinguir claramente entre a pessoa e os seus actos errados. As acções
erradas devem ser condenadas; os que cometeram essas acções devem ser vistos
como irmãos, a quem se ama, a quem se acolhe e a quem se dá sempre outra
oportunidade de acolher as propostas de Jesus e de integrar a comunidade do
Reino.
ALGUMAS SUGESTÕES
PRÁTICAS PARA O 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas
de “Signes d’aujourd’hui”)
1.
A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao
longo dos dias da semana anterior ao 23º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2.
PRIVILEGIAR O TEMPO DO ACOLHIMENTO.
É
o recomeço. A maior parte dos fiéis estão agora de regresso à paróquia. Será
bom privilegiar o tempo do acolhimento, em particular dos novos paroquianos.
Depois do sinal da cruz, da saudação e da introdução à celebração, o presidente
pode convidar cada um a saudar os seus vizinhos de lugar. Pode igualmente pedir
aos novos paroquianos para se apresentarem e acolhê-los em nome de toda a
comunidade. Será igualmente bom privilegiar o gesto de paz. O presidente dá a
paz a algumas pessoas que vêm ao altar. A paz é em seguida transmitida
progressivamente por esse grupo e cada um dá a paz a outra pessoa, depois de a
ter recebido simbolicamente. Saudar-se, dar a paz… tal deve continuar depois da
celebração. Isso deve ser expresso nas palavras finais de envio. Se possível,
pode-se organizar um pequeno convívio após a celebração.
3.
ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na
meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento
das leituras com a oração.
No
final da primeira leitura:
Bendito
sejas, Deus de santidade, que nos chamas a ser santos como Tu mesmo és santo.
Nós Te louvamos pelos profetas que nos envias em todo o tempo como sentinelas,
para vigiar o nosso caminho e para nos guiar.
Nós
Te pedimos por todas as comunidades cristãs: que o teu Espírito nos purifique
das más condutas que desvalorizam o nosso testemunho.
No
final da segunda leitura:
Nós
Te damos graças, Deus de amor, pela Lei viva que nos deste em Jesus e pelos
teus apóstolos. Ela é comunicação do teu Espírito. Nós reconhecemos a imensa
dívida de amor que temos para contigo.
Nós
Te pedimos: mantém-nos receptivos ao teu Espírito de amor. Que ele nos torne
conscientes da dívida de mútuo amor de uns para com os outros.
No
final do Evangelho:
Deus
justo e bom, se eu não interpelar o irmão ou a irmã que se perde, estou em
dívida para contigo, porque me torno cúmplice do mal que não me esforço de
impedir.
Que
o teu Espírito seja para mim fonte de discernimento e de coragem!
4.
ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se
escolher a Oração Eucarística II das Assembleias com Crianças, que evoca com
insistência o amor ao próximo e a comunhão fraterna aos quais nos convidam a
segunda leitura e o Evangelho de hoje.
5.
PALAVRA PARA O CAMINHO.
Ser
sentinela… A religião cristã não é um simples assunto pessoal que só a nós diz
respeito e que nos desinteressa dos outros. “Sentinela”: qual é o cuidado
missionário que está em nós para transmitir a Palavra do Senhor aos nossos
irmãos? O nosso amor para com eles é suficientemente forte para os convidar a
uma mudança de conduta, se necessário? “Sentinelas”: o amor ao próximo é para
nós uma dinâmica de conversão pessoal e comunitária?
Pe. Manuel Barbosa
Pe. Manuel Barbosa
http://www.dehonianos.org/portal/liturgia/?cid=my-calendar&mc_id=1641