1. Concílios, Alas e Liturgia: História de um conflito
Como é
sabido, até ao Concílio de Trento (1545-1563) a liturgia não era celebrada da
mesma forma em toda a parte. Com a invenção da imprensa por Johannes Gutenberg
(1450-1455) e com as problemáticas eclesiais internas que levaram, entre outras
consequências, à criação do movimento protestante por Martinho Lutero (1517),
os padres conciliares consideraram uniformizar a liturgia romana. A liturgia
tridentina começou a entrar em decadência no século XIX, por um lado, pela
influência da reflexão legada pela Devotio Moderna (séc. XIV-XVI), com Gerard
Groote à cabeça, e por outro, pelo nascimento do Movimento Litúrgico. Estas
duas correntes iriam dar origem mais tarde ao Concílio Vaticano II
(1962-1965), que ao reflectir sobre o modelo tridentino, o decidiu simplificar,
atitude que desagradou a ala conciliar mais conservadora.
Neste
sentido, alegando zelo e apreço pela Tradição da Igreja, e considerando que o Concílio estava a colocar em causa esse legado, o Mons. Marcel Lefebvre fundou um Seminário em Écône (Suíça) e um movimento intitulado «Fraternidade
Sacerdotal de S. Pio X» [FSSPX] (1 de Novembro de 1970) com o objectivo de
congregar os presbíteros conservadores e formar fiéis e jovens católicos que
desejassem ser ordenados e viver o seu ministério segundo o modelo legado por
Trento.
No início,
estas instituições aconteceram de forma pacífica e com o consentimento da Santa
Sé, pois parecia apenas ser uma reivindicação justa de viver segundo um modelo
proposto pela Igreja que tinha a força de cinco séculos de história. No
entanto, as coisas começaram a correr mal quando este grupo de clérigos e fiéis
começou a defender e a ensinar abertamente um pensamento anti-conciliar,
chegando mesmo a opor-se à teologia e aos princípios consagrados nos
documentos. Esta atitude levou Paulo VI a pronunciar uma reprimenda, segundo a
qual proibia o Mons. Lefebvre de conferir o sacramento da ordem. Esta
controvérsia azedou ainda mais quando, a 24 de Julho de 1976, o Mons. Marcel
Lefebvre, desprezando as palavras do Papa, procedeu à ordenação de vinte seis
presbíteros, acto que teve como consequência a excomunhão, dele e dos
ordenados.
Mais
tarde, a 30 de Junho de 1988, Mons. Lefebvre volta a conferir o sacramento da
ordem, mas desta vez a quatro presbíteros para os sagrar bispos: Bernard
Tissier de Mallerais, Richard Williamson, Alfonso de Galarreta e Bernard Fellay. Quando a notícia chegou à Santa Sé foi
recebida por Sua Santidade e por toda a Cúria Romana com não pouca perplexidade.
De imediato, o Papa João Paulo II, através do Motu Proprio «Ecclesia Dei» [2 de
Julho de 1988], considera o movimento da FSSPX como cismático e estabelece o
seguinte: 1) seja criada uma Comissão para dialogar com os membros da
FSSPX; 2) permita-se aos clérigos de todo o orbe celebrarem a liturgia de acordo com o Missal de S.
Pio V com as referidas exigências: a) autorização expressa do respectivo bispo local; b) utilização da edição típica do missal romano segundo a edição revista por João XXIII em 1962. Pouco depois, a 18 de
Julho do mesmo ano, o Romano Pontífice decide criar, em oposição à cismática FSSPX,
a Fraternidade Sacerdotal de S. Pedro [FSSP], sendo a sua sede na abadia de
Hauterive (Suíça).
Não
obstante o enorme conflito gerado, a Santa Sé, através do Cardeal Joseph
Ratzinger, tentou sempre estabelecer um diálogo com a FSSPX com o propósito de
encontrar uma solução de integração na Igreja, contudo todos os esforços
empenhados foram rejeitados. Num acto de benevolência, já como Papa, Joseph
Ratzinger [Bento XVI], levantou a excomunhão aos quatro bispos ordenados por
Mons. Marcel Lefebvre [21 de Janeiro de 2009]. Mas a FSSPX voltou a desiludir
com as polémicas declarações de Richard Williamson, o bispo cismático, que
defendeu abertamente num programa de televisão a negação histórica do
holocausto [26 de Janeiro de 2009].
Posteriormente,
o Papa Bento XVI, através do Motu Proprio, «Summorum Pontificum», a 30 de Abril
de 2011, mostrava o coração misericordioso da Igreja com a concessão totalmente
aberta a qualquer clérigo para celebrar a liturgia tradicional, relembrando,
contudo, que a expressão ordinária da Igreja é a que está consagrada pela
reforma litúrgica, expressa por Paulo VI com o Missal de 1970. Os princípios
fundamentais são os seguintes:
Carta aos Bispos
§ 4. O Missal publicado por Paulo VI, e reeditado em duas
sucessivas edições por João Paulo II, obviamente é e permanece a Forma
normal (a Forma ordinária) da Liturgia Eucarística».
§ 5. Quanto ao uso do Missal de 1962, como Forma
extraordinária da Liturgia da Missa, quero chamar a atenção para o facto de que
este Missal nunca foi juridicamente ab-rogado e, consequentemente, em
princípio sempre continuou permitido.
§ 7. O uso do Missal antigo pressupõe um certo grau de
formação litúrgica e o conhecimento da língua latina; e quer uma quer outro
não é muito frequente encontrá-los. Por estes pressupostos concretos, já se vê
claramente que o novo Missal permanecerá, certamente, a Forma ordinária do
Rito Romano, não só porque o diz a normativa jurídica, mas também por causa
da situação real em que se encontram as comunidades de fiéis».
§ 8. A garantia mais segura que há de o Missal de
Paulo VI poder unir as comunidades paroquiais e ser amado por elas é celebrar
com grande reverência em conformidade com as rubricas; isto torna
visível a riqueza espiritual e a profundidade teológica deste Missal.
§ 9. Cheguei assim à razão positiva que me motivou para
actualizar através deste Motu Proprio o de 1988. Trata-se de chegar a uma
reconciliação interna no seio da Igreja.
§ 10. Não existe qualquer contradição entre uma
edição e outra do Missale Romanum. Na história da Liturgia, há crescimento e
progresso, mas nenhuma ruptura.
Motu Proprio «Summorum Pontificum»
Art. 1. O Missal Romano promulgado por Paulo VI é a expressão ordinária da «lex orandi» («norma de oração») da Igreja
Católica de rito latino. Contudo o Missal Romano promulgado por São Pio
V e reeditado pelo Beato João XXIII deve ser considerado como expressão extraordinária da mesma «lex
orandi» e deve gozar da devida honra pelo seu uso venerável e antigo.
Estas duas expressões da «lex orandi» da Igreja não levarão de forma alguma a
uma divisão na «lex credendi» («norma de fé») da Igreja; com efeito, são dois
usos do único rito romano.
Art. 2. Nas Missas celebradas sem o povo, todo o
sacerdote católico de rito latino, tanto secular como religioso, pode
utilizar seja o Missal Romano editado pelo Beato Papa João XXIII em 1962 seja o
Missal Romano promulgado pelo Papa Paulo
VI em 1970, e fazê-lo todos os dias à excepção do Tríduo Pascal.
Art. 3. As comunidades dos Institutos de Vida
Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica, tanto de direito
pontifício como diocesano, que desejem celebrar a Santa Missa segundo a edição
do Missal Romano promulgado em 1962 na celebração conventual ou «comunitária»
que tenha lugar em seus oratórios próprios, podem fazê-lo. Se uma comunidade
individualmente ou todo um Instituto ou Sociedade quiser realizar, de modo
frequente, habitual ou permanente, tais celebrações, o caso deve ser
decidido pelos Superiores Maiores, segundo as normas do direito e as regras
e os estatutos particulares.
Art. 5. § 5. Nas igrejas que não são paroquiais nem
conventuais, é competência do Reitor da Igreja conceder a licença acima citada.
2. Falácias em confronto
Falácias Tradicionalistas (ala fundamentalista):
- O Concílio foi obra de um maçon infiltrado
- Os documentos conciliares contêm erros
- O último Papa foi João XXIII
- O Rito Tridentino é o verdadeiro Rito da
Igreja
- A missa de S. Pio V é a «missa de sempre»
Falácias Tradicionalistas (ala moderada):
- A SC não diz que deve haver um Novus Ordo
- O Vetus
Ordo é juridicamente igual ao Novus
Ordo
- O Vetus
Ordo é mais digno que o Novus Ordo
- Há uma aversão inveterada contra o Vetus Ordo
- O Novus Ordo dá aso a
erros devido à omissão de rúbricas
Falácias Progressistas (ala fundamentalista):
- Os três graus da Ordem são iguais
- As rubricas do Missal são apenas
directrizes, o que conta é o sentido
- Podem mudar-se os textos do Missal
- A Eucaristia pode ser celebrada em qualquer
lugar
- A matéria do sacrifício eucarístico pode ser
alterada
Falácias Progressistas (ala moderada):
- O Latim deixou de ser a língua da Igreja
- O CIC não refere que os clérigos devem andar
identificados
- A música oficial deixou de ser o Gregoriano
e a Polifonia
- Pode usar-se qualquer instrumento na Igreja
- Qualquer estilo de música pode ser executado
dentro da Igreja
3. A Liturgia do Novus Ordo: Erros a corrigir
1. A assembleia deve participar sempre na celebração.
2. A veste comum a todos os ministros
ordenados é a alva, seja qual for o seu grau, apertada à cintura pelo cíngulo,
a não ser que, pela sua forma, se ajuste ao corpo mesmo sem o cíngulo. Só pode
ser usada outra veste com a permissão da Conferência Episcopal ou do Bispo
Diocesano (cf. IGMR, n.65).
3. Os cânticos devem ser ajustados e de acordo
com o espírito da liturgia[1].
4. Os textos do Missale Romanum não podem ser
alterados.
5. Deve guarda-se silêncio sagrado depois do «acto
penitencial»; do «oremos»; das «leituras»; da «homilia»; da «comunhão» (cf.
IGMR, n. 45).
6. Não deve estar absolutamente nada sobre o altar até ao ofertório[2].
7. Quando não há cântico de entrada, o ministro deve recitar a Antífona que
está no Missal Romano.
8. Quando há diácono é ele que deve ministrar o Missal.
9. O n. 124 clarifica que o celebrante está virado para o povo[3].
10. Quando não há leitores instituídos ou leigos idóneos
para ler é o diácono que desempenha esta função.
11. Muitas vezes omitem-se as sequências. Há duas
obrigatórias (Lauda Sion e Veni, Sancte Spiritus), as restantes são facultativas. É lícito, portanto,
cantar a sequência da Missa de Defuntos (Dies Irae).
12. Às palavras «Evangelho de NSJC» todos fazem ao mesmo tempo o sinal da cruz na
testa, na boca e no peito (o celebrante faz ainda sobre o Evangeliário).
13. Durante o Evangelho todos se devem virar
para o ambão (cf. IGMR, n. 74).
14. No prefácio, ao «Sursum corda», o sacerdote eleva
ligeiramente as mãos.
15. Na consagração não se parte o pão.
16. O cântico de comunhão começa quando o celebrante
comunga (n. 159).
17. Não se diz «Amen» depois do «Pater Noster».
18. Não é permitido substituir os cânticos do Ordinário da
Missa, por exemplo, o Cordeiro de Deus (Agnus Dei), por outros cânticos (n. 366).
19. Quando não há cântico de comunhão, o ministro deve
recitar a Antífona que está no Missal Romano.
20. Os gestos e atitudes corporais não são cumpridos como
está prescrito:
a) Turiferário e Cruciferários:
Cf. 66 – Quando o turiferário vai na procissão, «de
mãos erguidas à mesma altura, segura o turíbulo com a direita, deste modo: põe
o dedo polegar na argola maior e o médio na argola menor da corrente,
levantando a tampa do turíbulo, e assim o sustenta e agita; na mão esquerda,
segurando-a pelo pé, leva a naveta com o incenso e a colher» (CE, I, XI, 7).
Cf. 67 – Os acólitos «pegam nos castiçais com a mão
direita, assim: o que vai do lado direito põe a mão esquerda no pé do castiçal
e com a direita segura-o ao meio, pelo nó; o que vão ao lado esquerdo põe a mão
direita no pé do castiçal e com a esquerda segura-o pelo referido nó» (CE, I,
XI, 8).
b) Mãos-Postas: Palmas das mãos uma contra a outra e o dedo
direito sobre o esquerdo[4].
c) Genuflexão: O joelho direito bate no solo, junto ao calcanhar do
pé esquerdo[5]. Ajoelha-se apenas com um joelho, e não com os dois (cf. IGMR, n. 69).
d) Inclinações[6]: (cf. IGMR, n. 68).
Há dois tipos de inclinações:
- Inclinação de cabeça;
- Inclinação de corpo.
Regras:
- A inclinação de cabeça faz-se ao nome de Jesus, da Virgem Santa Maria e do santo em cuja honra se celebra a Missa ou a Liturgia das horas[7].
- A inclinação do corpo, ou inclinação profunda, faz-se:
* ao altar [caso nele não esteja o sacrário com o Santíssimo Sacramento];
* durante as orações Purificai o meu coração (Munda cor meum) e De Coração humilhado e contrito (In spíritu humilitátis);
* no símbolo às palavras E encarnou pelo Espírito Santo (Et incarnátus est);
* no Cânone Romano às palavras Humildemente Vos suplicamos (Supplices te rogamus);
* ao Bispo antes e depois da incensação, e todas as vezes em que vem expressamente indicada nos diversos livros litúrgicos.
Há dois tipos de inclinações:
- Inclinação de cabeça;
- Inclinação de corpo.
Regras:
- A inclinação de cabeça faz-se ao nome de Jesus, da Virgem Santa Maria e do santo em cuja honra se celebra a Missa ou a Liturgia das horas[7].
- A inclinação do corpo, ou inclinação profunda, faz-se:
* ao altar [caso nele não esteja o sacrário com o Santíssimo Sacramento];
* durante as orações Purificai o meu coração (Munda cor meum) e De Coração humilhado e contrito (In spíritu humilitátis);
* no símbolo às palavras E encarnou pelo Espírito Santo (Et incarnátus est);
* no Cânone Romano às palavras Humildemente Vos suplicamos (Supplices te rogamus);
* ao Bispo antes e depois da incensação, e todas as vezes em que vem expressamente indicada nos diversos livros litúrgicos.
e) De joelhos. Duas opções:
1) Durante a consagração:[8]
- Da epiclese até ao «Mysterium fidei»;
- Do final do «Sanctus» até à doxologia;
2) Durante o «Agnus Dei».
f) De pé: Durante a comunhão até ao momento em que o
ministro guarda a Eucaristia no Sacrário.
g) Incensação[9]: Incensa-se sempre com três ductos e três ictus
à excepção das relíquias dos santos e das imagens expostas à veneração dos
fiéis, que se incensam com dois. As relíquias
da Santa Cruz e as imagens do Senhor
também se incensam com três ductos e
três ictos[10].
[1] Os cânticos que não têm as três características
(natureza, universalidade e bondade de formas) de que fala o Magistério, são
desaprovados pela Conferência Episcopal Portuguesa.
[2] Vê-se muitas vezes um crucifixo ladeado por
velas. O crucifixo da Igreja é o crucifixo da celebração. Quando não há
crucifixo no lugar da celebração coloca-se o crucifixo da procissão de entrada
num dos cantos do altar-mor virado para a assembleia. Os candelabros colocam-se
sempre ao lado do altar, se não os houver, e nunca sobre ele.
[3] Não se trata aqui de uma omissão ou explicação
torpe. A regra é clara quanto à orientação do sacerdote. Tanto assim é que a Santa
Sé mandou que os altares fossem colocados ao centro do espaço do Altar-Mor para permitir
esta modalidade.
[4] Na consagração os concelebrantes devem virar a
mão direita «ad latum»; e no prefácio, braços abertos e as mãos com as palmas
viradas uma contra a outra.
[5] Quando se passa diante do Santíssimo
Sacramento em procissão litúrgica não se faz genuflexão (cf. IGMR, n. 71).
[6] O cruciferário, ceroferários e aquele que leva
o Evangeliário não fazem inclinação ao altar aquando a procissão de entrada (cf. IGMR, n. 70).
[7] No rito tridentino, a liturgia previa, em pontificais com o Romano Pontífice, fazer inclinação ao nome do Papa, no Cânone Romano; no Novus Ordo esta prática é considerada incorrecta, pois não existe nenhuma rúbrica que o especifique.
[8] Na consagração, o turiferário não é ladeado pelos ceroferários. A alinha 1.2) e 2) é exclusiva dos sítios onde esta tradição permanece, a qual é louvavelmente recomendada que se guarde.
[9] Não existe nenhuma rúbrica que diga que o turíbulo tem que tocar nas correntes ao efectuar os ductos.
[10] Existe um desconhecimento generalizado sobre o significado dos termos latinos «ictus» e «ductus». O vocábulo latino «ictus» significa «apoio» e o vocábulo «ductus» significa «condução». Portanto, o «ictus» é o movimento que o turiferário faz ao descer ligeiramente o turíbulo e o «ductus» é o movimento de conduzir o turíbulo para a frente e para trás.
[8] Na consagração, o turiferário não é ladeado pelos ceroferários. A alinha 1.2) e 2) é exclusiva dos sítios onde esta tradição permanece, a qual é louvavelmente recomendada que se guarde.
[9] Não existe nenhuma rúbrica que diga que o turíbulo tem que tocar nas correntes ao efectuar os ductos.
[10] Existe um desconhecimento generalizado sobre o significado dos termos latinos «ictus» e «ductus». O vocábulo latino «ictus» significa «apoio» e o vocábulo «ductus» significa «condução». Portanto, o «ictus» é o movimento que o turiferário faz ao descer ligeiramente o turíbulo e o «ductus» é o movimento de conduzir o turíbulo para a frente e para trás.