Tema
do 27º Domingo do Tempo Comum:
A
liturgia do 27º Domingo do Tempo Comum utiliza a imagem da “vinha de Deus” para
falar desse Povo que aceita o desafio do amor de Deus e que se coloca ao serviço
de Deus. Desse Povo, Deus exige frutos de amor, de paz, de justiça, de bondade
e de misericórdia.
Na
primeira leitura, o profeta Isaías dá conta do amor e da solicitude de Deus
pela sua “vinha”. Esse amor e essa solicitude não podem, no entanto, ter como
contrapartida frutos de egoísmo e de injustiça… O Povo de Jahwéh tem de
deixar-se transformar pelo amor sempre fiel de Deus e produzir os frutos bons
que Deus aprecia – a justiça, o direito, o respeito pelos mandamentos, a
fidelidade à Aliança.
No
Evangelho, Jesus retoma a imagem da “vinha”. Critica fortemente os líderes
judaicos que se apropriaram em benefício próprio da “vinha de Deus” e que se
recusaram sempre a oferecer a Deus os frutos que Lhe eram devidos. Jesus
anuncia que a “vinha” vai ser-lhes retirada e vai ser confiada a trabalhadores
que produzam e que entreguem a Deus os frutos que Ele espera.
Na
segunda leitura, Paulo exorta os cristãos da cidade grega de Filipos – e todos
os que fazem parte da “vinha de Deus” – a viverem na alegria e na serenidade,
respeitando o que é verdadeiro, nobre, justo e digno. São esses os frutos que
Deus espera da sua “vinha”.
LEITURA I – Is 5, 1-7
Leitura
do Livro de Isaías
Vou
cantar, em nome do meu amigo,
um
cântico de amor à sua vinha.
O
meu amigo possuía uma vinha numa fértil colina.
Lavrou-a
e limpou-a das pedras,
plantou-a
de cepas escolhidas.
No
meio dela ergueu uma torre e escavou um lagar.
Esperava
que viesse a dar uvas,
Mas
ela só produziu agraços.
E
agora, habitantes de Jerusalém, e vós, homens de Judá,
sede
juízes entre mim e a minha vinha:
Que
mais podia fazer à minha vinha que não tivesse feito?
Quando
eu esperava que viesse a dar uvas,
porque
é que apenas produziu agraços?
Agora
vos direi o que vou fazer à minha vinha:
vou
tirar-lhe a vedação e será devastada;
vou
demolir-lhe o muro e será espezinhada.
Farei
dela um terreno deserto:
não
voltará a ser podada nem cavada,
e
nela crescerão silvas e espinheiros;
e
hei-de mandar às nuvens
que
sobre ela não deixem cair chuva.
A
vinha do Senhor do Universo é a casa de Israel,
e
os homens de Judá são a plantação escolhida.
Ele
esperava rectidão e só há sangue derramado;
esperava
justiça e só há gritos de horror.
AMBIENTE
Isaías,
filho de Amós, exerceu o seu ministério profético em Jerusalém, no reino de Judá,
durante a segunda metade do séc. VIII a.C. (de acordo com os seus oráculos, o
profeta foi chamado por Deus ao ministério profético por volta de 740-739 a.C.;
e os seus oráculos vão até perto de 700 a.C.). A sua pregação abarca, portanto,
um arco de tempo relativamente longo e abrange vários reinados.
Isaías
– como os outros profetas – não fala de realidades abstractas e intangíveis. A
sua pregação refere-se a acontecimentos concretos e toca a realidade da vida,
dos problemas, das inquietações, das esperanças dos homens do seu tempo. Para
perceber a sua mensagem temos, portanto, de situá-la na época e na realidade
histórica que o profeta conhece e sobre a qual é chamado por Deus a
pronunciar-se.
A
primeira fase do ministério de Isaías desenrola-se durante o reinado de Jotam
(740-734 a.C.). É uma época de relativa tranquilidade política, em que Judá se
mantém afastado da cena internacional e das jogadas políticas das
super-potências. Tudo parece correr bem, num clima de paz generalizada.
No
entanto, o olhar crítico do profeta detecta uma realidade distinta.
Internamente, a sociedade de Judá está marcada por grandes injustiças e
arbitrariedades… Os poderosos exploram os mais débeis, os juízes deixam-se
corromper, os latifundiários deixam-se dominar pela cobiça e inventam esquemas
legais para se apropriar dos bens dos mais pobres, os governantes oprimem os
súbditos, as senhoras finas de Jerusalém vivem no luxo e na futilidade, num
desrespeito absoluto pelas necessidades e carências dos mais pobres.
Em
termos religiosos, o culto floresce numa abundância inaudita de práticas de
piedade e de abundantes e solenes manifestações religiosas; no entanto, todo
esse fausto cultual é incoerente e mentiroso, pois não resulta de uma
verdadeira adesão a Jahwéh, mas de uma tentativa de acalmar as consciências e
de “comprar” Deus.
Para
o profeta, Jerusalém deixou de ser a esposa fiel, para converter-se numa
prostituta (cf. Is 1, 21-26); ou, dito de outra forma, a “vinha” cuidada por
Deus só produz frutos amargos e não os frutos bons (de justiça e de amor)
pedidos a quem vive envolvido no ambiente da Aliança.
A
mensagem de Isaías neste período encontra-se nos capítulos 1-5 do seu livro. O
texto que hoje nos é proposto é um dos textos mais emblemáticos deste período.
O
“cântico da vinha” poderia ser, inicialmente, um “cântico de vindima” ou um
“cântico de trabalho”, que um poeta popular entoa diante do seu círculo de
amigos ou de companheiros de trabalho. Mas, como acontece tantas vezes com as
formas de expressão da cultura popular, rapidamente as palavras adquirem um
duplo sentido e passam a evocar outra realidade.
Na
cultura judaica, a “vinha” é um símbolo do amor (cf. Ct 1, 6.14; 2, 15; 8, 12).
O “cântico da vinha” passa então a ser, na boca do poeta popular, uma “cantiga
de amor”, que descreve os esforços do jovem apaixonado para conquistar a sua
amada.
Isaías
vai utilizar esta “cantiga de amor” como recurso para transmitir a mensagem que
Deus lhe confiou.
MENSAGEM
A
canção que o profeta canta é bonita e o tema é sugestivo. O profeta/poeta
brinca com as sonoridades e com o ritmo, alterna os sons doces das canções de
amor com os sons ásperos das canções de trabalho. Os interlocutores do
profeta/poeta estão atentos e fascinados e escutam com prazer a descrição das
quase patéticas tentativas do poeta para conquistar a sua amada. Ouvem-no falar
dos seus trabalhos para construir a sua vinha, dos seus cuidados com ela, das
suas ilusões, dos seus sonhos; sorriem perante as alusões ao “lagar” (o lugar
onde será feito o vinho do amor) e à torre (de onde o amado vigiará, para que
ninguém entre na sua “vinha” e colha os frutos do seu amor). Aprovam quando
ele, depois de tantos cuidados, fica à espera dos “frutos saborosos” do amor
que cultivou. Ficam revoltados quando, depois de todo o empenho do amado, a
“vinha” só lhe ofereceu frutos azedos. O auditório s
impatiza
com o poeta, identifica-se com ele, partilha a sua desilusão…
De
repente, o poeta transforma o cântico em queixa e reclama justiça. Interpela
directamente os seus interlocutores e exige deles um veredicto. Tem o público
na mão: todos concordam que o profeta/poeta tem razão e que tem todo o direito
em tirar a vedação que protegia a vinha, em não voltar a cuidar dela, em dar
ordens às nuvens para que não a fecundem com a chuva…
Quando
o seu público já pronunciou mentalmente um veredicto favorável ao
profeta/poeta, este lança-lhe à cara a acusação que vinha preparando: “a vinha
do Senhor do universo é a casa de Israel e os homens de Judá são a plantação
escolhida. Ele esperava rectidão e só há sangue derramado; esperava justiça e
só há gritos de horror” (v. 7).
A
imagem da “vinha” aplicada ao Povo de Deus encontra-se frequentemente na Bíblia
(cf. Is 3, 14; 27, 2-5; Jer 2, 21; 12, 10; Ez 17, 6; Os 10, 1; Sl 80, 9-17). Os
profetas e catequistas de Israel viram na imagem da “vinha” um símbolo
privilegiado para expressar essa história de amor que Deus quis escrever com o
seu Povo, isto é, a Aliança.
Nesta
“parábola”, Deus é o “vinhateiro” e Israel é a “vinha”. Foi Deus quem trouxe de
longe (do Egipto) essas videiras escolhidas, que as plantou numa terra fértil
(a terra de Canaan), que removeu dessa terra as pedras (os outros povos que aí
habitavam) que podiam estorvar a fecundidade da “vinha”, que cuidou e,
sobretudo, que amou a sua “vinha”.
Como
é que Israel respondeu aos esforços de Deus? Que frutos produziu a “vinha” de
Jahwéh? O profeta/poeta responde: Deus esperava que Israel vivesse no direito e
na justiça (“mishpat” e “zedaqa”) cumprindo fielmente as exigências da Aliança;
esperava uma vida de coerência com os mandamentos; esperava que Israel
respeitasse os direitos dos mais débeis… Na realidade, o Povo actua em sentido
exactamente contrário àquilo que Deus esperava: os poderosos cometem injustiças
e arbitrariedades, os juízes são corruptos e não fazem justiça ao pobre, os
grandes praticam violências e derramam o sangue do inocente, os órfãos e as
viúvas vêem espezinhados os seus direitos sem que ninguém os defenda.
Na
verdade, sugere o profeta, Deus não pode pactuar com este esquema e prepara-Se
para abandonar essa “vinha” ingrata, essa amada infiel.
Atente-se
nesta “lição” fundamental: o amor de Deus pretende criar no coração do seu Povo
uma dinâmica que leve ao amor ao irmão. Deus ama-nos, para que nos deixemos
transformar pelo amor e amemos os outros.
ACTUALIZAÇÃO
Na
reflexão, considerar os seguintes dados:
•
A “parábola da vinha” é uma história de amor. Fala-nos do amor de um Deus que
liberta o seu Povo da escravidão, que o conduz para a liberdade, que estabelece
com ele laços de família, que lhe oferece indicações seguras para caminhar em
direcção à justiça, à harmonia, à felicidade, que o protege nos caminhos da
história… É preciso termos consciência de que esta história de amor não
terminou e que o mesmo Deus continua a derramar sobre nós, todos os dias, o seu
amor, a sua bondade, a sua misericórdia. Tenho consciência desse facto? Tenho o
coração aberto aos seus dons? Encontro tempo e disponibilidade para Lhe
agradecer e para O louvar?
•
O encontro com o amor de Deus tem de significar uma efectiva transformação do
nosso coração e tem de nos levar ao amor ao irmão. Quem trata os irmãos com
arrogância, quem assume atitudes duras, agressivas e intolerantes, quem pratica
a injustiça e espezinha os direitos dos mais débeis, quem é insensível aos
dramas dos irmãos, certamente ainda não fez a experiência do amor de Deus. Às
vezes encontramos nas nossas comunidades cristãs ou religiosas pessoas muito
válidas do ponto de vista da organização e da animação, que se consideram a si
próprias colunas da comunidade, que têm uma fé inabalável, mas que são
insensíveis, amargas, agressivas, intolerantes… Será possível ser sinal de Deus
e testemunhar o Deus que ama os homens, sem nos deixarmos conduzir pela
tolerância, pela misericórdia, pela bondade, pela compreensão?
•
O nosso texto identifica os “frutos bons” que Deus espera da sua “vinha” com o
direito e a justiça e afirma que Deus não tolera uma “vinha” que produza
“sangue derramado” e “gritos de horror”. Nos nossos dias, o “sangue derramado”
das vítimas da violência, do terrorismo, das guerras religiosas, dos sistemas
que geram morte e sofrimento continua a tingir a nossa história; os “gritos de
horror” de tantos homens e mulheres privados dos direitos mais elementares,
torturados, marginalizados, excluídos, impedidos de ter acesso a uma vida
minimamente humana, continuam a escutar-se na Europa, na Ásia, na África, nas
Américas… Qual o nosso papel, no meio de tudo isto? Podemos calar-nos, num
silêncio cúmplice e alienado, diante do drama de tantos irmãos condenados à
morte? O que podemos fazer para que a “vinha” de Deus produza outros frutos?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 79 (80)
Refrão: A vinha do Senhor é a casa de Israel.
Arrancastes
uma videira do Egipto,
expulsastes
as nações para a transplantar.
Estendia
até ao mar as suas vergônteas
e
até ao rio os seus rebentos.
Porque
lhe destruístes a vedação,
de
modo que a vindime quem quer que passe pelo caminho?
Devastou-a
o javali da selva
e
serviu de pasto aos animais do campo.
Deus
dos Exércitos, vinde de novo,
olhai
dos céus e vede, visitai esta vinha.
Protegei
a cepa que a vossa mão direita plantou,
o
rebento que fortalecestes para Vós.
Não
mais nos apartaremos de Vós:
fazei-nos
viver e invocaremos o vosso nome.
Senhor,
Deus dos Exércitos, fazei-nos voltar,
iluminai
o vosso rosto e seremos salvos.
LEITURA II – Flp 4, 6-9
Leitura
da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
Irmãos:
Não
vos inquieteis com coisa alguma.
Mas,
em todas as circunstâncias,
apresentai
os vossos pedidos diante de Deus,
com
orações, súplicas e acções de graças.
E
a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência,
guardará
os vossos corações
e
os vossos pensamentos em Cristo Jesus.
Quanto
ao resto, irmãos,
tudo
o que é verdadeiro e nobre,
tudo
o que é justo e puro,
tudo
o que é amável e de boa reputação,
tudo
o que é virtude e digno de louvor
é
o que deveis ter no pensamento.
O
que aprendestes, recebestes, ouvi
stes
e vistes em mim
é
o que deveis praticar.
E
o Deus da paz estará convosco.
AMBIENTE
Continuamos
a ler a carta enviada pelo apóstolo Paulo aos cristãos da cidade grega de
Filipos. Quando escreve aos seus amigos filipenses, Paulo está na prisão (em
Éfeso?), sem saber o que o futuro imediato lhe reserva. Entretanto, recebeu
ajuda dos filipenses (uma soma em dinheiro e a visita de Epafrodito, um membro
da comunidade, encarregado pelos filipenses de cuidar de Paulo e de prover às
suas necessidades) e está sensibilizado pela bondade e pela preocupação que os
filipenses manifestam para com a sua pessoa.
A
Carta aos Filipenses é, sobretudo, uma carta dirigida a amigos muito queridos,
na qual Paulo manifesta o seu apreço por essa comunidade que o ama, que o ajuda
e que se preocupa com ele. Enviando de volta Epafrodito – que estivera
gravemente doente – Paulo agradece, dá notícias, informa a comunidade sobre a
sua própria sorte e exorta os filipenses à fidelidade ao Evangelho.
O
texto que hoje nos é proposto pertence à parte final da carta. Apresenta um
conjunto de recomendações, destinadas a recordar aos filipenses algumas
obrigações que resultam do seu compromisso com Cristo e com o Evangelho.
MENSAGEM
Os
primeiros dois versículos do nosso texto (vv. 6-7) fazem parte de uma passagem
mais longa, na qual Paulo recomenda aos cristãos de Filipos que vivam na
alegria (vv. 4-7). Esta “alegria” não tem nada a ver com gargalhadas histéricas
ou com optimismos inconscientes; mas é a “alegria” que resulta de uma vida de
comunhão com o Senhor, com tudo o que isso significa em termos de garantia de
vida verdadeira e eterna. O cristão vive na alegria, pois a comunhão com Cristo
garante-lhe o acesso próximo (“o Senhor está próximo”) à vida definitiva. Daí
resulta a serenidade, a paz, a tranquilidade, que permitem ao crente enfrentar
a vida sem medo e sentir-se seguro nos braços amorosos de Deus Pai (v. 6a). Ao
crente resta cultivar a comunhão com Deus, entregando-Lhe diariamente a sua
vida “com orações, súplicas e acções de graças” (v. 6b).
Depois
(v. 8), Paulo recomenda aos filipenses um conjunto de seis “qualidades” que
eles devem cultivar e apreciar: a verdade, a nobreza, a justiça, a pureza, a
amabilidade e a boa reputação. Tudo isto é “virtude”, tudo isto é digno de
louvor. Há quem veja neste versículo a “magna carta do humanismo cristão”.
Estes valores não são exclusivos do cristianismo: são valores sãos e louváveis,
que constam também do ideal pagão (eram valores igualmente propostos pelos
moralistas gregos da época). No entanto, a comunidade cristã deve estar aberta
ao acolhimento de todos os verdadeiros valores humanos. Os cristãos devem ser,
antes de mais, arautos e testemunhas dos verdadeiros valores humanos.
Finalmente,
Paulo convida os filipenses a porem em prática estas recomendações segundo o
exemplo que receberam do próprio Paulo (v. 9). O cristão tem de viver os
valores humanos em confronto constante com o Evangelho e na fidelidade ao
Evangelho.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar
na reflexão e actualização, as seguintes linhas:
•
As palavras de Paulo aos filipenses definem alguns dos elementos concretos que
devem marcar a caminhada do Povo de Deus. Em primeiro lugar, Paulo convida os
crentes a não viverem inquietos e preocupados. Os cristãos estão “enxertados”
em Cristo e têm a garantia de com Ele ressuscitar para a vida definitiva. Eles
sabem que as dificuldades, os dramas, as perseguições, as incompreensões são
apenas acidentes de percurso, que não conseguirão arredá-los da vida
verdadeira. Os cristãos não são pessoas fracassadas, alienadas, falhadas, mas
pessoas com um objectivo final bem definido e bem sugestivo. O caminho de
Cristo é um caminho de dom e de entrega da vida; mas não é um caminho de
tristeza e de frustração. Porquê, então, a tristeza, a inquietação, o desânimo
com que, tantas vezes, enfrentamos as vicissitudes e as dificuldades da nossa
caminhada? Porque é que, tantas vezes, saímos das nossas celebrações
eucarísticas cabisbaixos, intranquilos, de semblantes tristonhos e ar irritado?
Os irmãos que nos rodeiam e que nos olham nos olhos recebem de nós um
testemunho de paz, de serenidade, de tranquilidade?
•
Em segundo lugar, Paulo convida os crentes a terem em conta, na sua vida, esses
valores humanos que todos os homens apreciam e amam: a verdade, a justiça, a
honradez, a amabilidade, a tolerância, a integridade… Um cristão tem de ser,
antes de mais, uma pessoa íntegra, verdadeira, leal, honesta, responsável,
coerente. Ouvimos, algumas vezes, dizer que “os que vão à igreja são piores do
que os outros”. Em parte, a expressão serve, sobretudo, a muitos dos chamados
“cristãos não praticantes” para justificar o facto de não irem à igreja; mas
não traduzirá, algumas vezes, o mau testemunho que alguns cristãos dão quanto à
vivência dos valores humanos? Quem contacta as recepções das nossas igrejas,
encontra sempre simpatia, compreensão, amabilidade, verdade, coerência?
•
A forma como Paulo propõe aos seus cristãos os mesmos valores que constavam das
listas de valores dos moralistas gregos da sua época, deve convidar-nos a
reflectir sobre a nossa relação com os valores do mundo que nos rodeia e sobre
a forma como os aceitamos e integramos na nossa vida. Não podemos esconder-nos
atrás da nossa muralha fortificada e rejeitar, em bloco, tudo aquilo que o
mundo de hoje nos proporciona, como se fosse algo de mau e pecaminoso. O mundo
em que vivemos tem valores muito bonitos e sugestivos, que nos ajudam a crescer
de uma forma sã e equilibrada e a integrar uma realidade rica em desafios e
esperanças. O que é necessário é saber discernir, de entre todos os valores que
o mundo nos apresenta, aquilo que nos torna mais livres e mais felizes e aquilo
que nos torna mais escravos e infelizes, aquilo que não belisca a nossa fé e
aquilo que ameaça a essência do Evangelho…
ALELUIA – cf. Jo 15, 16
Aleluia. Aleluia.
Eu
Vos escolhi do mundo, para que vades e deis fruto,
e
o vosso fruto permaneça, diz o Senhor.
EVANGELHO – Mt 21, 33-43
Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele
tempo,
disse
Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo:
«Ouvi
outra parábola:
Havia
um proprietário que plantou uma vinha,
cercou-a
com uma sebe, cavou nela um lagar
e
levantou uma torre;
depois,
arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe.
Quando
chegou a época das colheitas,
mandou
os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos.
Os
vinhateiros, porém, lançando mão dos servos,
espancaram
um, mataram outro, e a outro apedrejaram-no.
Tornou
ele a mandar outros servos,
em
maior número que
os
primeiros.
E
eles trataram-nos do mesmo modo.
Por
fim, mandou-lhes o seu próprio filho, dizendo:
‘Respeitarão
o meu filho’.
Mas
os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si:
‘Este
é o herdeiro;
matemo-lo
e ficaremos com a sua herança’.
E,
agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no.
Quando
vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?».
Eles
responderam:
«Mandará
matar sem piedade esses malvados
e
arrendará a vinha a outros vinhateiros,
que
lhe entreguem os frutos a seu tempo».
Disse-lhes
Jesus: «Nunca lestes na Escritura:
‘A
pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se
a pedra angular;
tudo
isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos’?
Por
isso vos digo:
Ser-vos-á
tirado o reino de Deus
e
dado a um povo que produza os seus frutos».
AMBIENTE
Estamos
em Jerusalém, pouco tempo após a entrada triunfal de Jesus na cidade (cf. Mt
21, 1-11). De hora para hora, cresce a tensão entre Jesus e os seus
adversários. Os líderes judaicos pressionam Jesus, num esquema que apresenta
foros de processo organizado. Adivinha-se, no horizonte próximo de Jesus, a
prisão, o julgamento, a condenação à morte. Jesus está plenamente consciente do
destino que lhe está reservado, mas enfrenta os dirigentes e condena
implacavelmente a sua recusa em acolher o Reino.
O
texto que nos é proposto faz parte de um bloco de três parábolas (cf. Mt 21, 28-32.
33-43; 22, 1-14), destinadas a ilustrar a recusa de Israel em aceitar o
projecto de salvação que Deus oferece aos homens através de Jesus. Com elas,
Jesus convida os seus opositores – os líderes religiosos judaicos – a
reconhecerem que se fecharam num esquema de auto-suficiência, de orgulho, de
arrogância, de preconceitos, que não os deixa abrir o coração e a vida aos
desafios de Deus. O nosso texto é a segunda dessas três parábolas.
A
história que nos vai ser narrada compreende-se melhor à luz da situação
sócio-económica da Galileia do tempo de Jesus… A terra estava, quase sempre,
nas mãos de grandes latifundiários que viviam nas cidades. Esses latifundiários
utilizavam vários sistemas para a exploração das suas terras; mas uma das
formas preferidas de exploração da terra (precisamente porque, para o
latifundiário não implicava muito trabalho) consistia em arrendar as várias
parcelas do latifúndio, em troca de uma parte substancial dos produtos
recolhidos. Os que arrendavam as terras eram, geralmente, camponeses que tinham
perdido as suas próprias terras devido à pressão fiscal ou às más colheitas.
Estes camponeses viviam numa situação periclitante: depois de descontados os
gastos com a exploração, os impostos pagos e a parte que pertencia ao
latifundiário, mal ficavam com o indispensável para se sustentar a si e à sua
família. Em anos agrícolas maus, este esquema significava a miséria absoluta…
Este quadro provocava conflitos sociais frequentes e o aparecimento de
movimentos campesinos que lutavam contra os latifundiários ou contra a carga
excessiva de impostos.
É
neste cenário que Jesus vai colocar a parábola que hoje nos apresenta.
MENSAGEM
A
parábola contada por Jesus coloca-nos no mesmo ponto de partida da parábola da
“vinha” de Is 5, 1-7: um “senhor” plantou uma “vinha”, cercou-a com uma sebe,
cavou nela um lagar e levantou uma torre.
A
partir daqui, no entanto, a parábola de Jesus afasta-se um pouco da parábola de
Isaías… Na versão de Jesus, o proprietário não explorou directamente a “vinha”,
mas confiou-a a uns “vinhateiros” que deviam dar-lhe, cada ano, uma determinada
percentagem dos frutos produzidos. No entanto, quando os “servos” do “senhor”
apareceram para recolher a parte que pertencia ao seu amo, foram maltratados e
assassinados pelos “vinhateiros”; e o próprio filho do dono da “vinha”, enviado
pelo pai para chamar os “vinhateiros” à responsabilidade e ao respeito pelos
compromissos, foi assassinado.
A
“vinha” de que Jesus aqui fala é Israel – o Povo de Deus. O dono da “vinha” é
Deus. Os “vinhateiros” são os líderes religiosos judaicos – os encarregados de
trabalhar a “vinha” e de fazer com que ela produzisse frutos. Os “servos”
enviados pelo “senhor” são, evidentemente, os profetas que os líderes da nação,
tantas vezes, perseguiram, apedrejaram e mataram. O “filho” morto “fora da
vinha” é Jesus, assassinado fora dos muros de Jerusalém.
É
um quadro de uma gravidade extrema. Os “vinhateiros” não só não entregaram ao
“senhor” os frutos que lhe deviam, mas fecharam todos os caminhos de diálogo e
recusaram todas as possibilidades de encontro e de entendimento com o “senhor”:
maltrataram e apedrejaram os servos enviados pelo “senhor” e assassinaram-lhe o
filho.
Diante
deste quadro, Jesus interpela directamente os seus ouvintes: “quando vier o
dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?”
A
comunidade cristã primitiva encontrou facilmente resposta para esta questão. Na
perspectiva dos primeiros catequistas cristãos, a resposta de Deus à recusa de
Israel foi dada em dois movimentos. Em primeiro lugar, Deus ressuscitou o “filho”
que os “vinhateiros” mataram, glorificou-o e constituiu-o “pedra angular” de
uma nova construção; em segundo lugar, Deus decidiu retirar a “vinha” das mãos
desses “vinhateiros” maus e ingratos e confiá-la a outros “vinhateiros” – a um
povo que fizesse a “vinha” produzir bons frutos e que entregasse ao “senhor” os
frutos a que ele tem direito.
Entretanto,
a Mateus não interessa tanto a questão do filho – ressuscitado, exaltado e
colocado como pedra angular da nova construção – quanto a questão da entrega da
“vinha” a um outro povo. Ao sublinhar este aspecto, Mateus tem em vista uma
dupla finalidade…
Em
primeiro lugar, ele explica dessa forma porque é que, na maioria das
comunidades cristãs, os judeus – os primeiros trabalhadores da “vinha” de Deus
– eram uma minoria: eles recusaram-se a oferecer frutos bons ao “senhor” da
“vinha” e recusaram sempre as tentativas do “senhor” no sentido de uma
aproximação e de um compromisso. Logicamente, o “senhor” escolheu outros
“vinhateiros”. O que é decisivo, para a escolha de Deus, não é que os novos
trabalhadores da “vinha” sejam judeus ou não judeus; o que é decisivo é que
eles estejam dispostos a oferecer ao “senhor” os frutos que lhe são devidos e a
acolher o “filho” que o “senhor” enviou ao seu encontro.
Em
segundo lugar, Mateus exorta a sua comunidade a produzir frutos verdadeiros que
agradem ao “senhor” da “vinha”. Estamos no final do séc. I (década de 80);
passou já o entusiasmo inicial e os crentes da comunidade de Mateus
instalaram-se num cristianismo fácil, sem exigência, descomprometido,
instalado. O catequista Mateus aproveita a oportunidade para exortar os irmãos
da comunidade a que despertem, a que saiam do comodismo, a que se empenhem, a
que dêem frutos próprios do Reino, a que vivam com radicalidade as propostas de
Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
Na
reflexão, ter em conta as seguintes questões:
•
O problema fundamental posto por este texto é o da coerência com que vivemos o
nosso compromisso com Deus e com o Reino. Deus não obriga ninguém a aceitar a
sua proposta de salvação e a envolver-se com o Reino; mas uma vez que aceitamos
trabalhar na sua “vinha”, temos de produzir frutos de amor, de serviço, de
doação, de justiça, de paz, de tolerância, de partilha… O nosso Deus não está
disposto a pactuar com situações dúbias, descaracterizadas, amorfas,
incoerentes, mentirosas; mas exige coerência, verdade e compromisso. A parábola
convida-nos, antes de mais, a não nos deixarmos cair em esquemas de comodismo,
de instalação, de facilidade, de “deixa andar”, mas a levarmos a sério o nosso
compromisso com Deus e com o Reino e a darmos frutos consequentes. O meu
compromisso com o Reino é sincero e empenhado? Quais são os frutos que eu
produzo? Quando se trata de fazer opções, ganha o meu comodismo e instalação,
ou a minha vontade de servir a construção do Reino?
•
O que é que é decisivo para definir a pertença de alguém ao Reino? É ter uma
“tradição familiar” cristã? É o ter entrado, por um acto formal (Baptismo) na
Igreja? É o ter feito votos de pobreza, castidade e obediência numa determinada
congregação religiosa? É o cumprir determinados actos de piedade? É o
participar nos ritos? Nada disso é decisivo. O que é decisivo é o “produzir
frutos” de amor e de justiça, que pomos ao serviço de Deus e dos nossos irmãos.
Como é que eu entendo e vivo a minha caminhada de fé?
•
A parábola fala de trabalhadores da “vinha” de Deus que rejeitam o “filho” de
forma absoluta e radical. É provável que nenhum de nós, por um acto de vontade
consciente, se coloque numa atitude semelhante e rejeite Jesus. No entanto,
prescindir dos valores de Jesus e deixar que sejam o egoísmo, o comodismo, o
orgulho, a arrogância, o dinheiro, o poder, a fama, a condicionar as nossas
opções é, na mesma, rejeitar Jesus, colocá-l’O à margem da nossa existência.
Como é que, no dia a dia, acolhemos e inserimos na nossa vida os valores de
Jesus? As propostas de Jesus são, para nós, valores consistentes, que
procuramos integrar na nossa existência e que servem de alicerce à construção
da nossa vida, ou são valores dos quais nos descartamos com facilidade, sob
pressão de interesses egoístas e comodistas?
•
As nossas comunidades cristãs e religiosas são constituídas por homens e
mulheres que se comprometeram com o Reino e que trabalham na “vinha” do Senhor.
Deviam, portanto, produzir frutos bons e testemunhar diante do mundo, em gestos
de amor, de acolhimento, de compreensão, de misericórdia, de partilha, de
serviço, a realidade do Reino que Jesus Cristo veio propor. É isso que
acontece, ou limitamo-nos a ter muitos grupos paroquiais, a preparar
organigramas impressionantes da dinâmica comunitária, a construir espaços
físicos amplos e confortáveis, a recitar a liturgia das horas, a produzir
liturgias solenes, faustosas, imponentes… e completamente desligadas da vida?
ALGUMAS SUGESTÕES
PRÁTICAS PARA O 27º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas
de “Signes d’aujourd’hui”)
1.
A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao
longo dos dias da semana anterior ao 27º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2.
DURANTE A CELEBRAÇÃO.
Seria
bom rezar hoje a Oração Eucarística IV, que traça a história da salvação e
concorda com os textos deste domingo (evocação do amor de Deus pelo seu povo,
do Antigo Testamento à Igreja).
3.
PALAVRA DE VIDA.
Não
podemos criticar o proprietário da vinha, posto em cena por Jesus numa
parábola, por ter negligenciado a sua vinha: ele trata da vinha com todos os
cuidados… Não podemos criticar a sua paciência e a sua perseverança para com os
vinhateiros: ele envia os seus servidores que são lapidados, envia outros que
têm o mesmo destino e, enfim, envia o seu próprio filho, pensando que ele seria
respeitado. Evidentemente, pensamos em Deus que toma cuidado do seu Reino e que
envia até o seu próprio Filho. E nós, de que lado nos situamos? Jesus foi-nos
enviado… Que fizemos do seu mandamento de amor? Foram-nos enviados mensageiros…
Escutámo-los? O Reino de Deus não é devido, é-nos confiado. Esperando que não
nos seja retirado…
4.
UM PONTO DE ATENÇÃO.
Uma
oferenda dos frutos da terra. Hoje, ou num dos domingos de Outubro, pode
desenrolar-se durante a celebração uma oferenda dos frutos da terra: frutos,
legumes, flores… No final da celebração, pode-se partilhar os dons oferecidos.
5.
PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Escolher um “fruto”. Ao
deixarmos a celebração, podemos escolher um “fruto” possível para produzir
nesta semana: um gesto ou uma palavra de reconciliação em relação a alguém; uma
partilha com um vizinho necessitado; ou uma iniciativa que pareça ainda mais
gratuita e que traga alegria. Para os mais empenhados na vida espiritual: em
cada dia, produzir um fruto de amor!Pe. Manuel Barbosa, In http://www.dehonianos.org/portal/liturgia/?cid=my-calendar&mc_id=1670