Tema do 26º Domingo do Tempo Comum:
A
liturgia do 26º Domingo do Tempo Comum deixa claro que Deus chama todos os
homens e mulheres a empenhar-se na construção desse mundo novo de justiça e de
paz que Deus sonhou e que quer propor a todos os homens. Diante da proposta de
Deus, nós podemos assumir duas atitudes: ou dizer “sim” a Deus e colaborar com
Ele, ou escolher caminhos de egoísmo, de comodismo, de isolamento e demitirmo-nos
do compromisso que Deus nos pede. A Palavra de Deus exorta-nos a um compromisso
sério e coerente com Deus – um compromisso que signifique um empenho real e
exigente na construção de um mundo novo, de justiça, de fraternidade, de paz.
Na
primeira leitura, o profeta Ezequiel convida os israelitas exilados na
Babilónia a comprometerem-se de forma séria e consequente com Deus, sem
rodeios, sem evasivas, sem subterfúgios. Cada crente deve tomar consciência das
consequências do seu compromisso com Deus e viver, com coerência, as
implicações práticas da sua adesão a Jahwéh e à Aliança.
O
Evangelho diz como se concretiza o compromisso do crente com Deus… O “sim” que
Deus nos pede não é uma declaração teórica de boas intenções, sem implicações
práticas; mas é um compromisso firme, coerente, sério e exigente com o Reino,
com os seus valores, com o seguimento de Jesus Cristo. O verdadeiro crente não
é aquele que “dá boa impressão”, que finge respeitar as regras e que tem um
comportamento irrepreensível do ponto de vista das convenções sociais; mas é
aquele que cumpre na realidade da vida a vontade de Deus.
A
segunda leitura apresenta aos cristãos de Filipos (e aos cristãos de todos os
tempos e lugares) o exemplo de Cristo: apesar de ser Filho de Deus, Cristo não
afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas assumiu a realidade
da fragilidade humana, fazendo-se servidor dos homens para nos ensinar a
suprema lição do amor, do serviço, da entrega total da vida por amor. Os
cristãos são chamados por Deus a seguir Jesus e a viver do mesmo jeito, na
entrega total ao Pai e aos seus projectos.
LEITURA I – Ez 18, 25-28
Leitura
da Profecia de Ezequiel
Eis
o que diz o Senhor:
«Vós
dizeis: ‘A maneira de proceder do Senhor não é justa’.
Escutai,
casa de Israel:
Será
a minha maneira de proceder que não é justa?
Não
será antes o vosso modo de proceder que é injusto?
Quando
o justo se afastar da justiça,
praticar
o mal o vier a morrer,
morrerá
por causa do mal cometido.
Quando
o pecador se afastar do mal que tiver realizado,
praticar
o direito e a justiça,
salvará
a sua vida.
Se
abris os seus olhos e renunciar às faltas que tiver cometido,
há-de
viver e não morrerá».
AMBIENTE
Ezequiel,
o “profeta da esperança”, exerceu o seu ministério na Babilónia no meio dos exilados
judeus. O profeta fez parte dessa primeira leva de exilados que, em 597 a.C.,
Nabucodonosor deportou para a Babilónia.
A
primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu
chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (data em que Jerusalém foi
conquistada uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor e uma nova leva de
exilados foi encaminhada para a Babilónia). Nesta fase, o profeta preocupou-se
em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio terminaria
em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a
multiplicação das infidelidades a Jahwéh por parte desses membros do Povo judeu
que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
A
segunda fase do ministério de Ezequiel desenrolou-se a partir de 586 a.C. e
prolongou-se até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados
de Templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estavam desiludidos e
duvidavam de Jahwéh e do compromisso que Deus tinha assumido com o seu Povo.
Nessa fase, Ezequiel procurou alimentar a esperança dos exilados e transmitir
ao Povo a certeza de que o Deus salvador e libertador não tinha abandonado nem
esquecido o seu Povo.
Até
esta altura, Israel reflectia a sua relação com Deus em termos colectivos e não
em termos individuais. A catequese de Israel considerava que a Aliança tinha
sido feita, não com cada israelita individualmente, mas com toda a comunidade.
Assim, as infidelidades de uns (inclusive dos antepassados) traziam sofrimento
e morte a toda a comunidade; e a fidelidade de outros (inclusive dos
antepassados) era fonte de vida e de bênção para todos.
Os
exilados liam à luz desta perspectiva teológica o drama que tinha caído sobre
eles. Consideravam que eram justos e bons, que não tinham pecado e que estavam
ali a expiar os pecados de toda a nação. Havia até um refrão muito repetido por
esta altura: “os pais comeram as uvas verdes, mas são os dentes dos filhos que
ficam embotados” (Ez 18,2b). Parece ser uma reprovação velada à acção de Deus
que, na perspectiva da teologia da época, fez dos exilados o bode expiatório de
todas as infidelidades da nação. É justo, isto? Está certo que os justos paguem
pelos pecadores?
É
a estas questões que o profeta Ezequiel vai tentar responder.
MENSAGEM
Na
verdade, os membros do Povo de Deus que estão exilados na Babilónia não podem
“sacudir a água do capote” e presumir de justos e inocentes: não há justos e
inocentes neste processo, uma vez que todos, sem excepção, são responsáveis por
atitudes de infidelidade a Jahwéh e de desrespeito pelos seus mandamentos. Fará
algum sentido que os exilados acusem Jahwéh de ser injusto, depois de terem
violado sistematicamente a aliança e terem cometido tantos pecados e
infidelidades (v. 25)?
Para
além disso, Israel não pode continuar a esconder-se atrás de uma
responsabilidade colectiva, que implica todos, mas não responsabiliza ninguém.
Chegou a altura de cada membro do Povo de Deus se sentir pessoalmente
responsável diante de Deus pelas suas acções e pelos compromissos assumidos no
âmbito da Aliança. Cada membro do Povo de Deus tem de descobrir que, quando
fizer escolhas erradas e se obstinar nelas, sofrerá as consequências; e que
quando abandonar os caminhos de egoísmo e de pecado e optar por Deus e pelos seus
valores, encontrará a vida (vv. 26-28).
Significa
isto que o pecado de um membro da comunidade não afecta os outros irmãos,
membros da mesma comunidade? É claro que afecta. O pecado introduz sempre
elementos de desequilíbrio, de desarmonia, de egoísmo, de ruptura, que atingem
todos aqueles que caminham connosco… Mas o que Ezequiel aqui pretende sublinhar
é que cada homem ou mulher tem de sentir-se pessoalmente responsável diante de
Deus pelas suas opções e pelos seus actos.
Esta
superação da mentalidade co
lectiva,
dando lugar à responsabilidade individual, é um dos grandes progressos na
história teológica de Israel. Doravante, o Povo aprenderá a reagir em termos
individuais e não em termos de massa. Está aberto o caminho para uma Nova
Aliança: uma Aliança que não é feita genericamente com uma comunidade, mas uma
Aliança pessoal e interior, feita com cada crente.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar,
na reflexão, os seguintes desenvolvimentos:
•
Antes de mais, a leitura convida-nos a tomar consciência de que um compromisso
com Deus é algo que nos implica profundamente e que devemos sentir
pessoalmente, sem rodeios, sem evasivas, sem subterfúgios. No nosso tempo – no
tempo da cultura do plástico, do “light”, do efémero – há alguma tendência a
não assumir responsabilidades, a não absolutizar os compromissos (no mundo do
futebol e da política há até uma máxima que define a flutuabilidade, a
incoerência, a contradição em que as pessoas se movem: “o que é verdade hoje, é
mentira amanhã”). Mas, com Deus, não há meias tintas: ou se assume, ou não se
assume. Como é que eu sinto esses compromissos que assumi com Deus no dia do
meu Baptismo e que ao longo da vida, nas mais diversas circunstâncias,
confirmei? Trata-se de algo que eu levo a sério e que eu aplico coerentemente a
toda a minha existência e às opções que faço, ou de algo que eu só me lembro
quando se trata de fazer uma bonita festa de casamento na igreja ou de cumprir
a tradição e baptizar os filhos?
•
O profeta Ezequiel convida-nos também a assumir, com verdade e coerência, a
nossa responsabilidade pelos nossos gestos de egoísmo e de auto-suficiência em
relação a Deus e em relação aos irmãos. Entre nós, no entanto, muitas vezes “a
culpa morre solteira”. Há homens e mulheres que não têm o mínimo para viver
dignamente? A culpa é da conjuntura económica internacional… Há situações de
violência extrema e de injustiça? A culpa é do governo que não legisla nem
coloca suficientes polícias nas ruas… A minha comunidade cristã está dividida,
estagnada e não testemunha suficientemente o amor de Jesus? A culpa é do Papa,
ou do bispo, ou do padre… E a minha culpa? Eu não terei, muitas vezes, a minha
quota-parte de responsabilidades em tantas situações negativas com que, dia a
dia, convivo pacificamente? Eu não precisarei de me “converter”?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 24 (25)
Refrão: Lembrai-Vos, Senhor, da vossa misericórdia.
Mostrai-me,
Senhor, os vossos caminhos,
ensinai-me
as vossas veredas.
Guiai-me
na vossa verdade e ensinai-me,
porque
Vós sois Deus, meu Salvador:
em
vós espero sempre.
Lembrai-Vos,
Senhor, das vossas misericórdias
e
das vossas graças que são eternas.
Não
recordeis as minhas faltas
e
os pecados da minha juventude.
Lembrai-Vos
de mim segundo a vossa clemência,
por
causa da vossa bondade, Senhor.
O
Senhor é bom e recto,
ensina
o caminho aos pecadores.
Orienta
os humildes na justiça
e
dá-lhes a conhecer os seus caminhos.
LEITURA II – Flp 2, 1-11
Leitura
da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
Irmãos:
Se
há em Cristo alguma consolação,
algum
conforto na caridade,
se
existe alguma consolação nos dons do Espírito Santo,
alguns
sentimentos de ternura e misericórdia,
então,
completai a minha alegria,
tendo
entre vós os mesmos sentimentos e a mesma caridade,
numa
só alma e num só coração.
Não
façais nada por rivalidade nem por vanglória;
mas,
com humildade,
considerai
os outros superiores a vós mesmos,
sem
olhar cada um aos seus próprios interesses,
mas
aos interesses dos outros.
Tende
em vós os mesmos sentimentos
que
havia em Cristo Jesus.
Ele,
que era de condição divina,
não
Se valeu da sua igualdade com Deus,
mas
aniquilou-Se a Si próprio.
Assumindo
a condição de servo,
tornou-Se
semelhante aos homens.
Aparecendo
como homem, humilhou-Se ainda mais,
obedecendo
até à morte, e morte de cruz.
Por
isso, Deus O exaltou
e
Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
para
que ao nome de Jesus todos se ajoelhem,
no
céu, na terra e nos abismos,
e
toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
para
glória de Deus Pai.
AMBIENTE
Filipos,
cidade situada no norte da Grécia, era uma cidade habitada maioritariamente por
veteranos romanos do exército. Estava organizada à maneira de Roma e era uma
espécie de Roma em miniatura. Os seus habitantes gozavam dos mesmos privilégios
dos habitantes das cidades de Itália.
A
comunidade cristã de Filipos foi fundada por Paulo no verão de 49, no decurso
da sua segunda viagem missionária. Numa das estadias de Paulo na prisão (em
Éfeso?), a comunidade enviou um dos seus membros para o ajudar e uma generosa
quantia em dinheiro para prover às necessidades do apóstolo.
Apesar
de ser uma comunidade viva, piedosa e generosa, a comunidade cristã de Filipos
não era uma comunidade perfeita. O desprendimento, a humildade, a simplicidade,
não eram valores demasiado apreciados entre os altivos patrícios romanos que
compunham a comunidade.
É
neste enquadramento que podemos situar o texto que esta leitura nos apresenta.
Trata-se de um texto que, em termos literários, apresenta duas partes. A
primeira (vv. 1-5), em prosa, contém recomendações concretas de Paulo aos
Filipenses acerca dos valores que devem cultivar. A segunda (vv. 6-11), em
poesia, apresenta aos Filipenses o exemplo de Cristo (trata-se, provavelmente,
de um hino pré-paulino, recitado nas celebrações litúrgicas cristãs e que Paulo
integrou no texto da carta).
MENSAGEM
Na
primeira parte (vv. 1-5), Paulo, em tom solene, pede aos altivos romanos que
constituem a comunidade de Filipos que não se deixem dominar pelo orgulho, pela
auto-suficiência, pela vaidade, pela ambição, que só provocam egoísmo e
divisão. Recomenda-lhes que vivam unidos, que se amem e que sejam solidários,
pois foi isso que Cristo, não só com palavras, mas com a própria vida, ensinou
aos seus discípulos.
Na
segunda parte (vv. 6-11), Paulo vai referir-se, com mais pormenor, ao exemplo
de Cristo. Para apresentar esse exemplo, Paulo recorre, então, ao tal hino
litúrgico, que celebrava a “Kenosis” (“despojamento”) de Cristo e a sua
exaltação.
Cristo
Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino.
Dado que os Filipenses são cristãos, quer dizer, dado que Cristo é o protótipo
a cuja imagem estão configurados, têm a iniludível obrigação de comportar-se
como Cristo. Como &
eacute;
o exemplo de Cristo?
O
hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão (o homem que
reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu – cf. Gn 3, 5.22) e Cristo (o Homem
Novo que, ao orgulho e revolta de Adão responde com a humildade e a obediência
ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe
exaltação e vida.
Em
traços precisos, o hino define o “despojamento” (“kenosis”) de Cristo: Ele não
afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas aceitou fazer-Se
homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir, para dar a vida,
para revelar totalmente aos homens o ser e o amor do Pai. Não deixou de ser
Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-Se servidor dos homens, para
garantir vida nova para os homens. Esse “abaixamento” assumiu mesmo foros de escândalo:
Ele aceitou uma morte infamante – a morte de cruz – para nos ensinar a suprema
lição do serviço, do amor radical, da entrega total da vida.
No
entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem um
fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projectos do Pai resultaram em
ressurreição e glória. Em consequência da sua obediência, do seu amor, da sua
entrega, Deus fez d’Ele o “Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento,
substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a
terra e os infernos”) reconhece Jesus como “o senhor” que reina sobre toda a
terra e que preside à história.
É
óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida que Paulo faz aos
Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo esse Cristo,
servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos; esse caminho não
levará ao aniquilamento, mas à glorificação, à vida plena.
ACTUALIZAÇÃO
Para
reflexão, podem considerar-se as seguintes indicações:
•
Os valores que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser demasiado
apreciados em muitos dos nossos ambientes contemporâneos. De acordo com os
critérios que presidem ao nosso mundo, os grandes “ganhadores” não são os que
põem a sua vida ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas são os
que enfrentam o mundo com agressividade, com auto-suficiência e fazem por ser
os melhores, mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à frente
dos outros. Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo e a ser
competitivo) conviver com estes valores?
•
Paulo tem consciência de que está a pedir aos seus cristãos algo realmente
difícil; mas é algo que é fundamental, à luz do exemplo de Cristo. Também a nós
é pedido um passo em frente neste difícil caminho da humildade, do serviço, do
amor: será possível que, também aqui, sejamos as testemunhas da lógica de Deus?
ALELUIA – Jo 10, 27
Aleluia. Aleluia.
As
minhas ovelhas ouvem a minha voz, diz o Senhor;
Eu
conheço-as e elas seguem-Me.
EVANGELHO – Mt 21, 28-32
Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele
tempo,
disse
Jesus aos príncipes dos sacerdotes
e
aos anciãos do povo:
«Que
vos parece?
Um
homem tinha dois filhos.
Foi
ter com o primeiro e disse-lhe:
‘Filho,
vai hoje trabalhar na vinha’.
Mas
ele respondeu-lhe: ‘Não quero’.
Depois,
porém, arrependeu-se e foi.
O
homem dirigiu-se ao segundo filho
e
falou-lhe do mesmo modo.
Ele
respondeu: ‘Eu vou, Senhor’.
Mas
de facto não foi.
Qual
dos dois fez a vontade ao pai?»
Eles
responderam-Lhe: «O primeiro».
Jesus
disse-lhes:
«Em
verdade vos digo:
Os
publicanos e as mulheres de má vida
irão
diante de vós para o reino de Deus.
João
Baptista veio até vós,
ensinando-vos
o caminho da justiça,
e
não acreditastes nele;
mas
os publicanos e as mulheres de má vida acreditaram.
E
vós, que bem o vistes,
não
vos arrependestes, acreditando nele».
AMBIENTE
O
texto que nos é proposto neste domingo situa-nos em Jerusalém, na etapa final
da caminhada terrena de Jesus. Pouco antes, Jesus entrara em Jerusalém e fora
recebido em triunfo pela multidão (cf. Mt 21, 1-11); no entanto, o entusiasmo
inicial da cidade foi sendo substituído, aos poucos, por uma recusa categórica
em acolher Jesus e o seu projecto.
Os
chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo – os líderes religiosos judaicos –
aparecem como o motor da oposição a Jesus. Eles não estão dispostos a
reconhecer Jesus como o Messias de Deus e a aceitar que Ele tenha um mandato de
Deus para propor aos homens uma nova realidade – a realidade do Reino. Há uma
tensão no ar, que anuncia a proximidade da paixão e da morte de Jesus.
No
quadro que antecede o episódio que nos é hoje proposto – mas que está em
relação directa com ele – os líderes judeus encontraram-se com Jesus no Templo;
perguntaram-Lhe com que autoridade Ele agia e quais eram as suas credenciais
(cf. Mt 21, 23-27). Jesus respondeu-lhes convidando-os a pronunciarem-se sobre
a origem do baptismo de João. Os líderes judaicos não quiseram responder: se
dissessem que João Baptista não vinha de Deus, tinham medo da reacção da
multidão (que considerava João um profeta); se admitissem que o baptismo de
João vinha de Deus, temiam que Jesus lhes perguntasse porque não o aceitaram…
Diante do silêncio embaraçado dos seus interlocutores, Jesus deu-lhes a
entender que não tinha uma resposta para lhes dar, enquanto eles continuassem
de coração fechado, na recusa obstinada da novidade de Deus (anunciada por João
e proposta pelo próprio Jesus).
Na
sequência, Jesus vai apresentar três parábolas, destinadas a ilustrar a recusa
de Israel em acolher a proposta do Reino. Com elas, Jesus convida os líderes da
nação judaica a reflectir sobre a situação de “gueto” em que se instalaram e a
reconhecerem o sem sentido das suas posições fixistas e conservadoras. O nosso
texto é a primeira dessas três parábolas.
MENSAGEM
A
parábola dos dois filhos ilustra duas atitudes diversas diante dos desafios e
das propostas de Deus.
O
primeiro filho foi convidado pelo pai a trabalhar “na vinha”. A sua primeira
resposta foi negativa: “não quero”. No contexto familiar da Palestina do tempo
de Jesus, trata-se de uma resposta totalmente reprovável, particularmente
porque uma atitude deste tipo ia contra todas as convenções sociais… Enchia um
pai de vergonha e punha em causa a sua autoridade diante dos familiares, dos
amigos, dos vizinhos. No entanto, este primeiro filho acabou por reconsiderar e
por ir trabalhar na vinha (vv. 28-29).
O
segundo filho, diante do mesmo convite, respondeu: “vou, sim, senhor”. Deu ao
pai uma respos
ta
satisfatória, que não punha em causa a sua autoridade e a sua “honra”. Ficou
bem visto diante de todos e todos o consideraram um filho exemplar. No entanto,
acabou por não ir trabalhar na vinha (vv. 30).
A
questão posta, em seguida, por Jesus, é: “qual dos dois fez a vontade do pai?”
A resposta é tão óbvia que os próprios interlocutores de Jesus não têm qualquer
pejo em a dar: “o primeiro” (v. 31).
A
parábola ensina que, na perspectiva de Deus, o importante não é quem se
comportou bem e não escandalizou os outros; mas, de acordo com a lógica de
Deus, o importante é cumprir, realmente, a vontade do pai. Na perspectiva de
Deus, não bastam palavras bonitas ou declarações de boas intenções; mas é
preciso uma resposta adequada e coerente aos desafios e às propostas do Pai
(Deus).
É
certo que os fariseus, os sacerdotes, os anciãos do Povo, disseram “sim” a Deus
ao aceitar a Lei de Moisés… A sua atitude – como a do filho que disse “sim” e
depois não foi trabalhar para a vinha – foi irrepreensível do ponto de vista das
convenções sociais; mas, do ponto de vista do cumprimento da vontade de Deus, a
sua atitude foi uma mentira, pois recusaram-se a acolher o convite de João à
conversão. Em contrapartida, aqueles que, de acordo com o “política e
religiosamente correcto” disseram “não” (por exemplo, os cobradores de impostos
e as prostitutas), cumpriram a vontade do Pai: acolheram o convite de João à
conversão e acolheram a proposta do Reino que Jesus veio apresentar (v. 32).
Lida
no contexto do ministério de Jesus, esta parábola dava uma resposta àqueles que
O acusavam de acolher os pecadores e os marginais – isto é, aqueles que, de
acordo com as “convenções”, disseram não a Deus. Jesus deixa claro que, na
perspectiva de Deus, não interessam as convenções externas, mas a atitude
interior. O que honra a Deus não é o que cumpre ritos externos e que dá “boa
impressão” às massas; mas é o que cumpre a vontade de Deus.
Mais
tarde, a comunidade de Mateus leu a mesma parábola numa perspectiva um pouco
diversa. Ela serviu para iluminar a recusa do Evangelho por parte dos judeus e
o seu acolhimento por parte dos pagãos. Israel seria esse “filho” que aceitou
trabalhar na vinha mas, na realidade, não cumpriu a vontade do Pai; os pagãos
seriam esse “filho” que, aparentemente, esteve sempre à margem dos projectos do
Pai, mas aceitou o Evangelho de Jesus e aderiu ao Reino.
ACTUALIZAÇÃO
Para
a reflexão, ter em conta os seguintes desenvolvimentos:
•
Antes de mais, a parábola dos dois filhos chamados para trabalhar “na vinha” do
pai sugere que, na perspectiva de Deus, todos os seus filhos são iguais e têm a
mesma responsabilidade na construção do Reino. Deus tem um projecto para o
mundo e quer ver todos os seus filhos – sem distinção de raça, de cor, de
estatuto social, de formação intelectual – implicados na concretização desse
projecto. Ninguém está dispensado de colaborar com Deus na construção de um
mundo mais humano, mais justo, mais verdadeiro, mais fraterno. Tenho
consciência de que também eu sou chamado a trabalhar na vinha de Deus?
•
Diante do chamamento de Deus, há dois tipos de resposta… Há aqueles que escutam
o chamamento de Deus, mas não são capazes de vencer o imobilismo, a preguiça, o
comodismo, o egoísmo, a auto-suficiência e não vão trabalhar para a vinha
(mesmo que tenham dito “sim” a Deus e tenham sido baptizados); e há aqueles que
acolhem o chamamento de Deus e que lhe respondem de forma generosa. De que lado
estou eu? Estou disposto a comprometer-me com Deus, a aceitar os seus desafios,
a empenhar-me na construção de um mundo mais bonito e mais feliz, ou prefiro
demitir-me das minhas responsabilidades e renunciar a ter um papel activo no
projecto criador e salvador que Deus tem para os homens e para o mundo?
•
O que é que significa, exactamente, dizer “sim” a Deus? É ser baptizado ou
crismado? É casar na igreja? É fazer parte de uma confraria qualquer da
paróquia? É fazer parte da equipa que gere a Fábrica da Igreja? É ter feito votos
num qualquer instituto religiosos? É ir todos os dias à missa e rezar
diariamente a Liturgia das Horas? Atenção: na parábola apresentada por Jesus,
não chega dizer um “sim” inicial a Deus; mas é preciso que esse “sim” inicial
se confirme, depois, num verdadeiro empenho na “vinha” do Senhor. Ou seja: não
bastam palavras e declarações de boas intenções; é preciso viver, dia a dia, os
valores do Evangelho, seguir Jesus nesse caminho de amor e de entrega que Ele
percorreu, construir, com gestos concretos, um mundo de justiça, de bondade, de
solidariedade, de perdão, de paz. Como me situo face a isto: sou um cristão “de
registo”, que tem o nome nos livros da paróquia, ou sou um cristão “de facto”,
que dia a dia procura acolher a novidade de Deus, perceber os seus desafios,
responder aos seus apelos e colaborar com Ele na construção de uma nova terra,
de justiça, de paz, de fraternidade, de felicidade para todos os homens?
•
Nas nossas comunidades cristãs aparecem, com alguma frequência, pessoas que
sabem tudo sobre Deus, que se consideram família privilegiada de Deus, mas que
desprezam esses irmãos que não têm um comportamento “religiosamente correcto”
ou que não cumprem estritamente as regras do “bom comportamento” cristão…
Atenção: não temos qualquer autoridade para catalogar as pessoas, para as
excluir e marginalizar… Na perspectiva de Deus, o importante não é que alguém
se tenha afastado ou que tenha assumido comportamentos marginais e
escandalosos; o essencial é que tenha acolhido o chamamento de Deus e que tenha
aceitado trabalhar “na vinha”. A este propósito, Jesus diz algo de inaudito aos
“santos” príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo: “os publicanos e as
mulheres de má vida irão diante de vós para o Reino de Deus”. Hoje, que é que
isto significa? Hoje, quem são os “vós”? Hoje, quem são os “publicanos e
mulheres de má vida”?
ALGUMAS SUGESTÕES
PRÁTICAS PARA O 26º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas
de “Signes d’aujourd’hui”)
1.
A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao
longo dos dias da semana anterior ao 26º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2.
DURANTE A CELEBRAÇÃO.
O
rito penitencial poderá ser preparado com mais cuidado, para não ser vivido de
maneira demasiado mecânica e rotineira. As intenções penitenciais podem ser
ditas mais lentamente para melhor serem interiorizadas, os silêncios podem
permitir a cada um entrar nesta atitude de conversão à qual nos chama o Senhor.
3.
PALAVRA DE VIDA.
É
sempre fácil fazer belas promessas e proferir belas declarações. O que conta
são os actos. Quantas mães disseram ao seu filho de quando em vez: “Pára de me
dizer que gostas de mim… Prova-me!”. Muitas vezes exprimimos a Deus a nossa
confiança através de uma bela profissão de fé, muitas vezes reafirmamos-Lhe o
nosso amor através de belas orações, mas Ele espera que Lhe manifestemos esta
confiança e este amor. Não basta dizer os actos de fé, de esperança e de
caridade. É preciso pôr em acção a nossa fé, a nossa esperança e a nossa
caridade. Então, seremos verdadeiros praticantes, pondo em prática o que
ouvimos e vivemos na missa.
4.
UM PONTO DE ATENÇÃO.
O
Salmo Responsorial. No interior da liturgia da Palavra, o salmo não é uma peça
mestra, pois ele exprime a mensagem da primeira leitura. Mas é muitas vezes um
tempo de meditação e de oração, é o caso de hoje. Não basta contentar-se em ler
o salmo, é preciso lê-lo bem. Salmodiar este texto não é difícil, o cântico
favorece a interiorização. O solista deve preparar-se muito bem para cantar o
salmo, cujo refrão é cantado pela assembleia. Se alguém souber tocar flauta,
poderá acompanhar a melodia do solista ou tocar algumas notas depois do refrão,
antes de cada estrofe.
5.
PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Tomar
parte numa acção caritativa… Procuremos tomar a nossa quota-parte numa acção
caritativa da paróquia, no bairro ou na cidade, um serviço particular a prestar
nesta semana… Não temos a tendência, muitas vezes, de deixar que as equipas
“especializadas” façam e, quanto a nós, ficarmos apenas no dizer?
Pe. Manuel Barbosa, In http://www.dehonianos.org/portal/liturgia/?cid=my-calendar&mc_id=1669
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